segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Esperando que o lixo ganhe pernas

Verão e Natal. Para muitos, as duas épocas douradas do ano. O dourado do bronze dos corpos ao sol e o dourado das fitas que embrulham os presentes. Mas há um outro dourado, um dourado que estando presente todo o ano, ganha mais brilho nestas duas alturas. Falo do brilho dourado que o plástico reflete quando os olhos nele se distraem. Não do plástico da capa de um videojogo exposto numa prateleira, mas do plástico semeado na valeta pelo condutor que acaba de passar.

Tenho por hábito caminhar. E nessas várias caminhadas acostumei-me a observar a profanação a que estão votadas as nossas estradas. Maço de tabaco, garrafa de água, pacote de pastilhas elásticas... Enfim, é lixo a olho visto!

Este verão decidi agir. Calcei umas luvas, peguei num saco do lixo e lá me fiz aos caminhos que tantas vezes percorro em lazer. Quase nem precisei de sair de casa para me deparar com uma garrafa da nossa maravilhosa água das Caldas de Penacova à beira da estrada. Uns passos mais à frente, de novo me tive de debruçar para recolher uma garrafa de sumo. Por estrada acima, encontrei pacotes de lenços de papel, muitos maços de tabaco e muitas mais garrafas de água. Até um pack de gelados e um recipiente de óleo de motor estavam abandonados pelo caminho. E foi com grande tristeza que me deparei com uma pulseira das nossas Festas do Município prostrada na estrada, bem mais longe do recinto do evento do que do local onde deveria ter sido depositada: o caixote do lixo. O lixo que recolhi excedeu largamente as minhas previsões. Contava que um saco desse para a ida e volta, mas não. Enchi um só na ida, obrigando a nova incursão para recolher o restante.

No total dois sacos. Dois sacos demasiado cheios. Cheios de lixo atirado pela janela de carros que passam. Cheios de lixo atirado por nós que aqui vivemos! E passada uma, talvez nem duas semanas, de novo o lixo voltava a habitar os terrenos que todos nós galgamos!
Infelizmente, este é um fenómeno transversal a todo o Portugal. Quem habita Lisboa bem o sabe. Numa recente visita ao Porto pude atravessar a histórica Ponte D. Luís e vislumbrar a maravilhosa vista do rio Douro ladeada pela Ribeira e pelas históricas Caves de Vinho. No entanto, o que deteve a minha atenção foi as folhas amarrotadas de jornal espalhadas à entrada da Ponte D. Luís, que estava em obras, esvoaçando por entre passos contempladores de turistas nacionais e estrangeiros. Quando até o Best European Destination 2017 vê um dos seus mais emblemáticos ex-libris assim desmazelado, dá que pensar...

O que choca nem é a visão do lixo em si, é sim o que daqui podemos extrapolar, é a forma como as pessoas não se sentem, o modo como não cuidam do que é seu, do que é nosso, do que é de todos! Parece que o coração não bate mais depressa. Parece que o orgulho nacional se esgota nas vitórias da Seleção Nacional de Futebol Masculino. Impera um deixa-andar para com as pequenas coisas do dia-a-dia que marcam uma diferença grande quando o cidadão estrangeiro está de visita. O modo como os locais se comportam e estimam o seu meio é algo que fica na retina de quem passa. Provavelmente só quem já teve a oportunidade de viajar a outro país compreende este pensamento. Fazer um bom serviço à Pátria não é apenas andar a pregar que Portugal é muito bom e bonito na comunicação social, é também e sobretudo fazer com que tal se concretize de verdade.


Todos sabemos que o Estado não chega a todo o lado. Os incêndios de Junho e Outubro queimaram também a réstia de inocência que poderíamos ainda ter sobre esta questão e obrigaram a chegar à seguinte conclusão: não podemos continuar à espera, temos de agir! Cada um tem de cuidar mais bem do seu espaço, cada um tem de parar de atirar a garrafa de água pela janela do carro e passar a atirá-la para o caixote de lixo que está apenas 500 m mais à frente. Não podemos estar sentados na cadeira do jardim a ver o lixo acumular-se à beira da estrada enquanto lamuriamos que a Junta não vem... se a Junta não pode, as “divorciadas” podem! Uma “divorciada” carrega o saco e a outra “divorciada” apanha o lixo. Por que isto também é a força da Sociedade Civil!