domingo, 7 de abril de 2019

A mulher perfeita


O conceito de perfeição está em constante mudança. Os tempos em que as formas arredondadas eram a formosura foram-se esculpindo até aos nossos dias, delapidando progressivamente todo um conceito de beleza, hoje proscrito e tantas vezes levado ao extremo.

Mas nem só do enfoque físico se conta um romance. A proibição que assola o desejo de uma relação é talvez a maior e mais cativante assombração que retém leitores e queda telespectadores. Quem não se recorda de se apaixonar pelo périplo de Carlos e Maria Eduarda e se prender, contentamente atormentado pelo conflito entre querer saber o seu término e a ânsia ardente de que o pecado se prolongasse inexoravelmente pelos recantos escondidos do Ramalhete?

E quem nunca se apaixonou só por desviar os sentidos da janela e de súbito aterrado ficar com a beleza rara do olhar que nesse mesmo instante subia para a carruagem do comboio?

A vida sonhada e a vida vivida não são indissociáveis, mas sem dúvida que entre as páginas de um livro e as folhas da vida real existe todo um volume de diferenças.

Desde logo, na imaginação é o autor o dono do destino dos seus protagonistas. Quem não gostaria de sentir ter poder total sobre a sua vida? Nessas horas sagradas em que consegue assentar os pensamentos que sublimemente o atormentam, o escritor é Deus e, portanto, decide as intrigas, os suspiros, os beijos e os gritos de prazer... O escritor é Deus e, portanto, decide a voluptuosidade do corpo que a cada leitor caberá imaginar moreno ou louro.

Uma outra, e inevitavelmente melancólica, é que, se o livro pode terminar num imaculado ponto final, a vida cursa sempre pelas reticências... Só a ingenuidade de quem nunca se apaixonou poderá contestar que o que faz a relação perdurar é todo um conjunto de sentimentos que se criam e se constroem... é todo um manancial de interesses e desinteresses... é toda uma outra dimensão: é o Amor! E o Amor, por mais “sins” que se lhe digam, o mais próximo que alguma vez esteve de beijar a Paixão foi a mesma distância a que Miguel Ângelo pintou o dedo do Criador do dedo mortal de Adão no teto da Capela Sistina.

A Paixão, essa, é outra coisa! É o magnífico trovão que fez Michael Corleone casar durante o desterro na Sicília! É a loucura que tira do sério, tão redundante em si mesma como esta última sequência de palavras. Tão prolixo como os pensamentos que giram e serpenteiam, navegando sempre ao encontro do porto de abrigo inaugural. Ao encontro daquele instante em que o nosso ser se submete à ditadura das parcas horas e escassos dias em que a Lua se torna na gravidade que nos prende a esta Terra.

Enfim, é preciso paciência para escrever livros... é necessária muita imaginação, muita vivência exterior para decorar a paisagem do recheado interior do ser humano... Não é a mão de qualquer escritor que aguenta 25, 50 anos de linhas redigidas, de linhas rasuradas... de folhas de papel imaculadas, de folhas de papel amarrotadas... Como seria tão mais fácil se o romance se quedasse para sempre naquela fração efémera em que os olhares se coincidem magicamente num sorriso de alinhar as estrelas e os parágrafos se escrevem! Mas a verdade é que se a Paixão é viver... Amar é sobreviver!