“Amar pelos dois”. Um cliché do
drama amoroso que as telenovelas celebrizaram. “Eu sei que não gostas de mim tanto
quanto eu gosto de ti, mas eu posso gostar pelo dois e com o tempo vamos
aprender a amarmo-nos um ao outro”. O habitual laivo de desespero quando vemos a
paixão de uma vida a fugir da nossa mão. Habitualmente acompanhado em fundo por
uma qualquer música em voz anglo-saxónica com acordes eletronicamente tristes.
No fundo é só isto que Luísa e
Salvador Sobral nos trazem nos 16 versos da canção portuguesa que acaba de
ganhar o Festival da Eurovisão 2017. Não temos a mulher desesperada nem a balada
comercial de fundo... mas temos um rapaz de 27 anos que se funde com os acordes
assim que o palco escurece e os isqueiros e modernas luzes de telemóveis se
acendem à volta, fazendo a audiência viajar no tempo até ao cenário lúgubre de
um filme noir dos anos 40.
É nessa fusão do corpo e da voz
com os acordes e a mensagem da canção composta pela irmã Luísa que o intérprete
Salvador se assume com uma espécie de artista que já há muito não se via
merecer pela parte do grande público tão enorme notoriedade. Nas suas próprias
palavras quando recebeu o prémio no palco de Kiev, há demasiada “fast-food
music” hoje em dia, que dá muito dinheiro, mas não passa de mais do mesmo... “mastiga
e bota fora” como cantavam os Taxi no seu maior êxito, “Chiclete”. Entre
todas as 26 músicas finalistas da Eurovisão, a portuguesa era a mais simples de
todas, não havia nem grandes efeitos luminosos nem passadeiras rolantes, apenas
e tão somente: arte!
A sublimação artística que penetra
de rompante o corpo de Salvador, o divinal transe que toma o seu corpo à medida
que é atingido pelos versos que acaba de cantar, exemplarmente acompanhados com
o piano em fundo é uma lição de paixão a toda a sociedade global. Uma sociedade
que nos esfomeia com o ideal “como é que eu posso ganhar mais dinheiro?”, em
vez de nos fartar com o “como é que eu posso ser mais feliz?”. O que acabámos
de assistir na televisão é isto: não é só a mulher desesperada a ver a paixão
da sua vida a fugir-lhe das mãos, não! Critiquem-me por ser romântico, mas esta
é a alegoria perfeita para chamar de volta a paixão às coisas que fazemos no
dia-a-dia!
E é um enorme orgulho que da
mesma cidade donde saiu Éder, o homem que fez o golo decisivo que nos deu o
Europeu de Futebol 2016, saia também Luís Figueiredo, o responsável pelos arranjos da música que nos presenteia hoje com o Europeu das Canções 2017. Quem
sabe quantas mais conquistas nacionais terão o selo de Coimbra? É um orgulho ainda
maior ser de Coimbra por estes dias!
Para terminar, como sabemos o
nosso herói de hoje sofre de um problema cardíaco que exige transplantação. Não
há uma única vida que valha mais do que qualquer outra, mas já que não se pode
evitar todas as mortes, ao menos que das lágrimas se aproveite um bom coração e
que ele continue a bater num novo corpo... pois certamente o nosso Salvador vai
aprender a viver pelos dois!
Sem comentários:
Enviar um comentário