Onde estávamos na final do Euro 2016?
Onde estávamos no 11 de Setembro?
São perguntas que nos habituamos a fazer e às quais agora podemos juntar o Onde estávamos no Dia do Apagão?
No Dia do Apagão eu acordei em Vila Nova de Famalicão. Rima e é verdade! Em conjunto com um grupo de amigos, tinha aproveitado o fim de semana prolongado do 25 de abril para fazer uma incursão a Madrid. Na véspera do Apagão tinha regressado de Vigo, local onde apanhamos o avião para a capital espanhola, já que os preços dos voos desde o Porto estavam bastante mais caros ao ponto de compensar a viagem de carro até à Galiza. E não fomos os únicos a chegar a essa conclusão, tamanho era o contingente lusitano que embarcou connosco nesse voo da Air Europa e depois se fez à estrada de volta a Portugal.
Calhou-me a mim levar o carro e chegamos a Famalicão perto das 21h. Para evitar fazer ainda mais uma hora e tal de viagem, os pais dum dos meus amigos foram extremamente simpáticos e, além de me convidar para jantar, também me ofereceram a dormida. Conversa puxa conversa, com as atualidades política e futebolística em primeiro plano, já só nos deitamos à meia noite. Isso a juntar às escassas horas de sono que trazia na bagagem fez-me levantar tarde para os meus hábitos, já próximo das 10h. Tomei o pequeno-almoço, um banho e o portão elétrico da moradia deve ter sido aberto por volta das 11h, já que me recordo que o Waze indicava que chegaria ao meu destino pelas 12h10. Despedi-me e arranquei.
A viagem fez-se tranquilamente, já que fugi à hora de ponta portuense. Contudo, a certa altura a rádio falhou subitamente. E não foi só a estação que tinha sintonizado. Não dava nem a M80, nem a Observador, nem a Comercial, nem a RR, nem a RFM, nem nada! Durante uns segundos não dava nada. Oh, oh, mas tu queres ver que a rádio se avariou? Mas o meu pensamento foi rapidamente desmentido pelos acordes de uma canção que entoava na Antena 3 e depois a M80 Valongo também começou a dar. Problema resolvido!, pensei.
Uns quilómetros mais à frente, já depois de passada a Ponte da Arrábida, reparo que o Waze indicava estar a utilizar o mapa offline. O mapa offline?! Então eu tenho os dados móveis ligados e isto está offline?! Julguei tratar-se de um erro, às vezes isso sucede, mas nessa altura já me era indiferente, dado que a partir daquele ponto já sabia bem o caminho rumo ao meu destino.
Minutos mais tarde, já fora da autoestrada, vislumbro ao longe as sirenes ruidosas de dois carros de bombeiros a aproximarem-se a alta velocidade. Oh lá, já houve chatice... e o pensamento ainda estava a terminar quando esbarro de frente com um entroncamento no qual os semáforos estão desligados. Eish, que caos que isto aqui é sem semáforos. Ainda falam de Viseu, mas não há nada como uma boa rotunda... Aquela é uma zona movimentada, como tal, com muita prudência lá fui avançando “pé ante pé” até o nariz da viatura espreitar a interseção. Aproveitei que o carro que se aproximava pela esquerda ligou o pisca para virar à direita e, tendo costa livre à minha direita, lá avancei. Logo a seguir passei por uma senhora que buzinava furiosamente e fazia sinal com as mãos para o condutor à sua frente indicando que as luzes (dos semáforos) não estariam a funcionar e que ele se teria de fazer à sua vez para conseguir ultrapassar aquele entroncamento. As gentes do Norte são muito simpáticas, mas no trânsito, já se sabe que é uma mão no volante e outra na buzina...
Nesse dia tinha combinado um almoço com amigos do meu antigo hospital, mas como ainda tinha algum tempo, decidi fazer uma paragem num supermercado para comprar pão e bananas para lanchar a seguir ao treino que iria fazer nessa tarde com um desses amigos. Para meu espanto o supermercado estava às escuras e com as portas fechadas! Ouvi uma das pessoas que já lá se encontrava à espera comentar algo sobre um apagão. Um apagão?! De imediato consultei o telemóvel e reparei numa mensagem de Whatsapp de um grande amigo meu que dizia que o chefe já se estava a passar pelo facto da Fábrica das Caldas de Penacova estar parada devido à falta de eletricidade. O quê? Consultei, então, os principais sites noticiosos nacionais e todos eles tinha publicado há vinte, trinta minutos notícias sobre uma falha generalizada de eletricidade em toda a Península Ibérica. Toda a Península Ibérica?!?!?!
Perante isto, dirigi-me ao apartamento onde estava a morar e eis que me caiu a ficha. A minha chave da porta do prédio não estava a funcionar e eu costumava entrar pela garagem, cujo portão era... elétrico! Pois... Bem, fiz aquilo que seria mais inteligente: ficar de plantão à porta do prédio e esperar que algum vizinho entrasse ou saísse para conseguir entrar. Enquanto aguardava, consultei as mensagens do grupo de Whatsapp que tenho com os amigos com quem ia almoçar. Havia uma mensagem das 11h51 que dizia “Temos de ir a um restaurante que confecione comida a gás ou lenha emoji de riso”. Depois já às 12h26 outro amigo dizia “Isto parece o momento zero duma era, género filme apocalíptico” para logo a seguir aconselhar “Acho que é melhor cancelar hoje”. Evidentemente todos concordamos, até porque uma das pessoas nem o carro da garagem conseguia tirar. O amigo que ia treinar comigo ainda estava confiante e perguntou-me “Gonçalo, vamos treinar na mesma, certo? Pesos são pesos, é o bonito do exercício”. Só que como perdi o acesso à rede telefónica e dados móveis por volta das 12h30-12h45, esta mensagem eu já só a vi ao final do dia quando voltei a ter eletricidade e acesso à Internet. De qualquer modo seria escusado, pois, perante todo aquele cenário de incerteza, o treino tinha passado para segundo plano...
Entretanto, a porta do prédio abriu-se finalmente e entrei. A senhora que me abriu a porta comentou o sucedido e disse que o irmão estava a trabalhar na Polónia e conseguiu ligar-lhes de lá e falar com eles, mas eles não conseguiam ligar para ninguém. Subi a escadas e pelo caminho apanhei uma senhora mais velha que descia apressada com uma bata na mão. Mal me viu começou a dizer que não havia luz e que tinha um filho na Polónia que lhe tinha conseguido ligar. Era a mãe da outra senhora, conclui. Comentou ainda comigo que se ia apresentar ao trabalho na mesma.
Cheguei finalmente ao interior do apartamento. Estaria tudo às escuras não fossem os raios de luz do sol quente e radiante que furavam as frestas dos estores, como metralhadoras fazendo alvo ao chão do apartamento.
Dirigi-me ao frigorífico e confirmei que o resto de arroz de lulas e os poucos iogurtes que lá tinha ainda estavam frescos, troquei de roupa e, como ainda não tinha fome para almoçar, decidi simplesmente abrir o estore para deixar a luz entrar e deitar-me na cama a ler o livro que ando a ler, o The Thursday Murder Club de Richard Osman.
Já passava das 13h15 quando me veio subitamente uma ideia à cabeça: E se eu me pusesse a escrever uma crónica sobre o meu Dia do Apagão? Isto no fundo vai ser um dia histórico, um evento marcante como foram outras crises. Estou aqui fechado sem nada para fazer, porque não?
E assim começou esta crónica!
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