domingo, 12 de abril de 2020

Crónicas em Tempos de Pandemia - Folar da Páscoa

A Páscoa e o Natal representam grandes oportunidades para regressar a “casa”. E à semelhança da quadra natalícia também a época pascal tem o seu doce tradicional. Assim, o Bolo Rei é por altura destronado pelo Folar da Páscoa, iguaria tradicionalmente oferecida pelo Padrinho ao seu Afilhado. No entanto, ao contrário do doce invernal, o conteúdo desta massa cozida já em plena primavera conhece assinaláveis variações de norte a sul do País. Além do mais convencional Folar de Erva-Doce que desde sempre me habituei a saborear (com ou sem ovos), a faustosa riqueza da gastronomia lusitana exibe um incrível contraste de sabores, desde o salgado e carnudo Folar de Chaves àquele que para mim terá sempre um lugar cativo no coração, o meloso Folar de Olhão.

As mais doces folhas deste cantinho à beira mar plantado eram por mim ainda ignoradas quando iniciei a grande aventura de realizar o primeiro ano de prática médica em Faro. Mas escassos meses mais tarde, por esta altura, já carregava eu a mala do carro com exemplares desse maná olhanense, trazendo escritas nas suas folhas amanteigadas com sabor a canela já muitas estórias do marcante início de carreira numa região tão distinta daquela que me viu crescer.

Este ano, contudo, o cenário é diferente. As pastelarias até continuam a fazer folares e eu até posso voltar a carregar a mala do carro, mas por mais gasóleo que tenha no depósito não posso ir a lado algum! E nem sequer se trata de uma avaria que o carro foi à revisão recentemente e pega sempre que carrego na ignição... O que verdadeiramente não me permite galgar o asfalto rumo a Penacova são as medidas deste Estado de Emergência em que passámos a viver há quase um mês. Estas barreiras erguidas na tentativa de travar o alastrar da pandemia COVID-19 estão a impedir a maioria dos cidadãos de ir passar a Páscoa a “sua casa”. Um mal absolutamente necessário!

O novo Coronavírus não está a afetar apenas os rituais pascais, também muito tem vindo a alterar os nossos hábitos laborais. A natureza do meu ofício até me tem mantido ao trabalho e olhem que até tem sabido bem deslocar-me ao hospital só pelo desanuviar do sisudo branco das paredes de casa. No entanto, à semelhança de muitos portugueses, não tendo sido totalmente cancelada, a verdade é que a minha atividade se encontra severamente modificada! Estágios, cursos e congressos... tudo tem vindo a ser diferido. E quem me conhece bem sabe a “pica” que isso me dava... Aquele adrenérgico despertar de termos o mundo inteiro para conquistar, por agora vai ter de esperar. É que outros valores mais alto se alevantam! A pandemia COVID-19 põe em sério risco a sobrevivência da sociedade mundial tal como a conhecemos. E não são apenas vidas que se têm vindo a perder, é também a nossa maneira de ser que corre o risco de não resistir a esta prolongada estadia nos Cuidados Intensivos.

Por isso, nesta Páscoa temos de ser fortes! Nesta Páscoa temos de ser inteligentes! Em vez de irmos a correr a abraçar os nossos pais, os nossos avós e os nossos padrinhos, façamos antes uso da tecnologia. Peguemos no telemóvel e façamos videochamadas. Porque se queremos que daqui a um ano o nosso Padrinho nos volte a presentear com o saboroso Folar da Páscoa, hoje temos de ser estoicos perante a sedutora tentação daquele sentido e apertado abraçar que uma vida inteira para sempre poderá asfixiar!

1 comentário:

  1. Pois é, temos que fazer a nossa parte para podermos voltar a estarmos juntos e abraçar-nos. Quem sabe quando? Nem vale a pena pensar senão num dia de cada vez. Temos que tentar lidar com a ansiedade para mantermoss a sanidade mental

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