segunda-feira, 2 de agosto de 2021

Dezanove anos e uma pandemia depois

“Pró ano é que é!”

O Sportinguista é o mais português dos adeptos de futebol nacionais. Saudoso sofredor sempre a recordar os tempos idos dos 5 Violinos, tempos em que se tivesse existido Taça dos Campeões Europeus, tínhamos limpado mais troféus internacionais que o Benfica e o Porto juntos.

 

Saudoso sofredor que perante um início de campeonato auspicioso, com vitórias consecutivas (algumas mais suadas) que acabaram por colocar o clube leonino na liderança, começava a desconfiar de tamanha sorte e a ver pairar aquela incómoda e tão familiar sensação de que seria sol de pouca dura. Afinal quem já viu fugir um campeonato por um ponto em 2006/2007 (o da mão de Ronny do Paços de Ferreira e do hat-trick do central Buba do Beira Mar com Paulo Bento) e outro em 2015/2016 (o segundo melhor registo de sempre de uma equipa no campeonato ao leme de Jesus) e ainda por cima ver o culminar de uma caminhada épica na Taça Uefa 2004/2005 numa amarga derrota por em casa frente ao CSKA Moscow, depois de ir a ganhar para o intervalo, só pode viver com a tormenta de que o pior ainda está para vir! Sempre para vir.

 

“Sofredores incondicionais” alguém nos apelidou. Uma chancela que assenta que nem uma luva em quem tristeza após tristeza, partida entediante após partida entediante, sempre continua a ir ao Estádio ou ver na SportTv a saga de todos os anos continuar sob o lema do “Pró’ ano é que vai ser!”. Pois bem, meus amigos, este ano foi! Este ano foi mesmo! O nosso grande Sporting, a maior potência desportiva nacional foi mesmo campeã nacional de futebol sénior 19 anos depois da última conquista!

 

Que dia incrível esse em que fiz 100km rumo ao Núcleo Sportinguista de Penacova para viver a tão esperada celebração junto daqueles que comigo sofreram ao longo destes 19 largos anos!

 

Não vale a pena mentir. Sempre desconfiei que não iríamos aguentar até ao fim. No último terço da temporada, muitas das vitórias eram demasiado suadas e alcançadas já ao cair do pano. Tanto milagre era de desconfiar, mas por outro lado só mostrava uma raça e um crer nunca antes vistos pelos lados de Alvalade. Era sempre até ao último minuto! Sebastian Coates, outrora contestado pelos seus ocasionais erros defensivos comprometedores, desta feita estava transformado no símbolo maior da nossa ambição desmedida, do acreditar até ao último segundo de que era possível colocar o esférico a balançar nas redes adversárias. Fosse de que forma fosse! E Palhinha, que esteve praticamente com guia de marcha na pré-temporada, acabou por ficar e estabelecer-se como um esteio fundamental de um modelo de jogo inovador para os tempos que correm e que foi recuperar os pergaminhos dos 3-4-3 dos Barcelonas de Cruyff que encantaram a Europa na primeira metade da década de 90. Rúben Amorim, benfiquista de gema, era o timoneiro improvável, que havia sido recrutado a preço de ouro a escassas semanas de tudo fechar em 2020 fruto da emergência da Pandemia Covid-19. Os anti-Varandas e os Varandistas uniram-se na desconfiança de que tamanho investimento em tão inexperiente técnico não auguraria nada de bom para o futuro de um clube que atravessava um período tumultuoso, com 3 treinadores já despedidos no decurso do ano desportivo e ainda a braços com os espojos de guerra do fatídico dia em que a Academia de Alcochete havia sido brutalmente invadida por gente que não pode ter lugar no nosso grande Sporting.

 

E depois de começarmos a perder pontos em Moreira de Cónegos a tal desconfiança veio mesmo ao de cima. Nesse jogo a sorte que tantas vezes nos havia bafejado ao longo da temporada sorriu ao adversário que marcou um monumental golaço já ao cair do pano de uma partida que vira 2 golos anulados ao recém-contratado Paulinho. Para alimentar o receio numa viragem no campeonato, nessa mesma jornada o FC Porto conseguira igualmente um triunfo suado no último instante, com Toni Martinez vindo do banco finalmente a deixar a sua marca. Teriam os Dragões encontrado o seu Mantorras? Bem, pelo desempenho nos jogos finais do campeonato parecia mesmo que sim, à medida que a distância que outrora se situava nos 10 pontos foi emagrecendo até a uma estreita cintura de 4 pontos que faziam temer o pior dos desfechos (o tal já esperado pelo verdadeiro Sportinguista calejado). No entanto, quando tudo parecia desmoronar-se por completo, com a expulsão de Gonçalo Inácio no decisivo jogo de Braga, a verdade é o remate cruzado de Matheus Nunes naquele lance estudado acabou mesmo por conceder a vitória à turma leonina. Nessa jornada, o FC Porto acabou por empatar ante o Moreirense (que curiosamente havia sido o clube a reacender a esperança dos Dragões em revalidar o título), numa partida envolta em polémica tecnológica com o VAR a anular um golo do tal Toni “Mantorras” Martinez. Não fosse o VAR e provavelmente estaria aqui a ser contada uma bonita estória de um jogador que andou na sombra toda a temporada e surgiu no terço final para ser decisivo e dar a volta aos acontecimentos.

 

Nada disso aconteceu e, assim, a bonita história que há para contar é a de um clube com uma mentalidade muito própria, assente na formação, que finalmente alcançou o troféu que lhe fugia já há 19 longínquos anos. Quando Paulinho selou o golo do triunfo ante o Boavista num Estádio de Alvalade que, embora despido de público no seu interior, nunca havia estado tão cheio desde a sua inauguração em 2003, o barulho vindo do exterior tornou-se ainda mais ensurdecedor! Era o sonho de uma geração que apenas vira o Sporting ganhar ainda andava na escola Primária, e andara toda uma vida a ver os outros envergar orgulhosamente a sua camisola no dia seguinte ao do título que teimava em fugir, mesmo quando era a equipa a praticar o mais requintado futebol em Portugal. Foram precisos 19 anos e uma Pandemia para o sonho se concretizar!

E foi também o fim de uma era. O Sporting campeão ainda no tempo do escudo, da Nokia e da PlayStation 2 já lá vai! Este é agora um Sporting que nos faz sonhar, mas de pés bem assentes na terra. Este é um Sporting que vai ter de enfrentar os desafios de uma época longa e desgastante física, mas sobretudo mentalmente com a entrada na Liga dos Campeões, palco maior do futebol europeu, onde uma potência desportiva como esta tem de estar presente ano após ano. O regresso do Público aos estádios poderá ser outro desafio. Mas uma coisa é certa, com Ruben Amorim ao leme, esse benfiquista de gema que devolveu finalmente a já esquecida felicidade àquela curva belíssima que ano após ano sempre apoiou o seu Sporting, e com esta mentalidade, estou certo que grandes dias continuarão a alvorar!

 

E este ano é que foi!

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