A vida de um Médico Interno é pautada pela instabilidade.
Em primeiro lugar, a esmagadora maioria dos colegas que fazem turnos nos Serviços de Urgência vivem numa tremenda instabilidade de horários. Há sempre aquela duvidazinha se vão estar livres no fim de semana em que os colegas com quem não estão há meses estão a combinar um jantar. Não conseguem saber se vão conseguir ir ao concerto que tanto desejam ir que terá lugar daqui a meio ano.
Depois, existe também a instabilidade da dúvida do dia seguinte. O dia seguinte à conclusão do Internato de Formação Específica, o tal dia a seguir a tornar-se Médico Especialista. Para onde ir a seguir? Permanecer na mesma instituição ou mudar de local de trabalho? Continuar em Portugal ou partir rumo à aventura do estrangeiro?
E no caso concreto dos Médicos Internos da minha especialidade, Medicina Física e de Reabilitação (MFR), que provêm de um hospital não central, existe aquela instabilidade da necessidade de realizar múltiplos estágios fora da sua instituição de origem, com tudo o que isso acarreta de bom e de mau. Não é fácil gerir a logística de encontrar casa para morar no novo destino, manter uma relação amorosa... Enfim, é desafiante!
E obviamente que tal instabilidade é maior nas instituições que gozam de menor idoneidade formativa, contudo, quando se chega ao 4.º ano de Internato de MFR é quase universal o êxodo dos Médicos Internos rumo aos Centros de Reabilitação. Tal passo formativo reveste-se de suma importância dado que permite ao Médico em especialização tomar contacto com a reabilitação diferenciada multiprofissional e multidisciplinar de adultos e crianças com AVC, lesões medulares, traumatismos encefálicos, doenças cardiorrespiratórias e neurológicas várias, entre muitas outras. Qualquer Centro de Reabilitação em Portugal oferece a maioria dos cuidados que os pacientes adultos necessitam, contudo, o 4.º ano de Internato é também uma grande oportunidade de conhecer a realidade dos vários centros do país e, como tal, não é raro os Médicos Internos fazerem um périplo pelas várias instituições. E os horizontes expandem-se!
Comecei o ano no Centro de Reabilitação da Região Centro, o Rovisco Pais, rumei ao Centro de Reabilitação de Alcoitão, seguiu-se o Hospital de Santo António no Porto e agora vou completar o ano no Centro de Reabilitação do Norte, em Valadares. Procurei sempre dar o meu melhor nestes vários hospitais por onde tenho passado. O que tenho vindo a aprender e as relações de trabalho que tenho vindo a cultivar, só mais tarde vou saber dar o devido valor. As deslocações são difíceis, mas o que mais custa é a hora da despedida! Quando se alcança o ponto de rebuçado, no qual o trabalho começa a fluir como se já fosses parte da engrenagem, eis que o árbitro apita para o final da partida e chega a hora de rumar ao balneário, fazer as malas e rumar a outras paragens. Nem dá tempo para nos fartarmos! E às vezes a saudade toma-nos de assalto. Tenho saudades de todos estes sítios por onde tenho passado. Tenho saudades do hospital onde comecei o Internato. Tenho saudades da cidade que é minha e ao mesmo tempo nunca o foi...
É por isto que quando paro e nos deito na espreguiçadeira ao sol, às vezes começo a imaginar que seria bom a vida ser um jogo de PlayStation.
Daqueles videojogos mais modernos em que a história principal assume já a complexidade de se poder seguir vários caminhos e chegar a diferentes finais consoante as escolhas que se forem fazendo à medida que o jogo se desenrola.
Se eu pudesse, gravaria o jogo no momento imediatamente antes da primeira grande decisão e, a partir daí ia jogando em direção a um dos desfechos. Jogava, jogava, jogava até chegar ao fim. Ou me fartar. E depois fazia loading no save primordial e, voltando ao início rumaria agora noutra direção. E mais uma vez faria tudo para alcançar o 100%. Faria todas as missões secundárias, recolheria todos os hidden gems... e no final, talvez regressasse uma vez mais ao momento inaugural... e se as forças ainda mo permitissem, se a ambição ainda me impulsionasse, voltaria a recomeçar tudo outra vez, em busca doutro final distinto.
Nota: A versão inicial deste texto foi redigida em Setembro 2022, quando me encontrava no 4.º do Internato de MFR. Na altura estagiava no Centro de Reabilitação do Norte e estava desde o início do ano fora do meu hospital de origem, o então denominado Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga. Este texto ficou esquecido vários anos na gaveta e decidi agora publicá-lo. Mantém-se perfeitamente atual, de tal modo que não necessitei de alterar o conteúdo.
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