sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

Agora não me apetece estudar!

Há uns tempos atrás perguntaram-me qual é a qualidade que eu possuo que me permitiu ter sido um aluno de sucesso ao longo dos vários e vastos anos do meu percurso escolar e académico. Depois de alguma reflexão, na qual batalharam diversos atributos que poderão ter sido importantes, aquele que no final ergueu o punho cerrado em sinal de vitória foi a consistência.

A consistência.

 

A consistência de na primeira tarde livre de cada período escolar fazer logo os tpcs para não deixar as tarefas acumular. 

 

A consistência de começar a ler o livro de Biologia e Geologia com uma semana de antecedência da data do teste. A consistência de o ler religiosamente todos os dias deitadinho no sofá e nos intervalos ligar a PlayStation e jogar uma partida de PES (sim, eu ainda sou do tempo em que o PES era o rei) para descansar a mente. Jogar só mais uma partida e ser capaz de desligar a PlayStation. E pousado o comando, pegar logo no livro de História e passar para a preparação desse outro teste que ia ter na mesma semana. Quando era à base de decorar, era esta a minha consistência.

 

Quando se tratava da Matemática, da Física ou da Química, aí a conversa era outra. Não havia cá lugar para sofás, a consistência era estar sentado à secretária a fazer exercícios e mais exercícios para treinar o raciocínio.

 

E a covinha do sofá, moldada ao longo da escolaridade obrigatória, ficou praticamente aliviada quando cheguei à Faculdade. Aí a sala de estar teve de ser trocada pelo sossego e isolamento do escritório. Nesses anos, tudo foi construído sentado naquela secretária de madeira firme rodeado de estantes de livros e enciclopédias que criavam um ambiente intelectual, a olhar de frente para uma parede que iria receber os pósteres do Sporting vencedor da Taça de Portugal em 2015 e da seleção campeã europeia de futebol em 2016. Muitas horas a estudar as Anatomias, as Fisiologias, as Farmacologias, as Propedêuticas, as Cirurgias, as Psiquiatrias, as Nefrologias e claro, os capítulos do Harrison para o exame de acesso à especialidade.

 

Tudo isto enquanto a azeitona se apanhava da oliveira que se habituou a olhar-me através da janela do escritório, a ver-me absorvido em livros, apontamentos e no computador ao longo de 6 longos e preenchidos anos de estudo universitário. Uma oliveira para a qual eu me encontrava de costas, verdadeira imagem do que foi a minha vida ao longo dos anos da Faculdade. Foco e compromisso totais para com os objetivos traçados! Uma quase total alienação do mundo lá fora ao longo desse piscar de olhos que constituía os arrastados 10 meses de extensão de cada ano letivo.

 

Sabem, é irónico...

 

É muito irónico de facto. Durante a faculdade, em tom de brincadeira (mas uma brincadeira a sério), o meu pai chegou até a questionar-me como é que eu conseguia passar os sábados inteirinhos sentado na cadeira do escritório a estudar. É mesmo irónico... Hoje sou eu que me questiono como o logrei fazer. É mesmo muito irónico... Hoje sou eu quem já não o quer fazer!

 

Mas não me entendam mal. Não estou arrependido!

 

Não estou arrependido de ter dado tudo nos 12 anos de escolaridade básica e secundária que me permitiram alcançar o respeito dos meus pares e dos meus mestres.

Não estou arrependido de ter dado tudo nos 6 anos de ensino universitário que me permitiram ser Médico.

Não estou arrependido de ter dado tudo no ano que passei a preparar o temido e desafiante “Harrison”, que me permitiu aceder à especialidade que queria.

 

Não me entendam mal. Não estou arrependido!

 

Simplesmente cumpri com a missão para a qual fui criado: ser uma "máquina" de sucesso nos estudos.

 

Nunca tive de ser o melhor, mas tive sempre de deixar a pele em campo. Enfim, mais que tudo, tinha de haver a tal atitude que o atual treinador do Sporting referiu na sua conferência de imprensa de apresentação. E foi isso que fiz. Estudei muito, muito mesmo... Li e sublinhei intermináveis calhamaços dos quais extraí conhecimento que pouco ou nada emprego hoje em dia no meu trabalho. Mas não estou arrependido. O verdadeiro objetivo não era retirar ensinamentos para o meu trabalho futuro. Pasmem-se. A autêntica meta era “ganhar”, era obter um bom resultado na seguinte prova escrita, no próximo exame oral.

 

Mas hoje duvido que o conseguisse tornar a fazer.

 

É verdade que voltei a provar um bocadinho da minha antiga receita de sucesso quando há um ano me encontrava a estudar para o exame final para obtenção do grau de Médico Especialista em Medicina Física e de Reabilitação. Deu para matar saudades daqueles meses inteiros de foco total para com o alcançar do saboroso objetivo, para com o cumprir daquela utopia de levantar a taça e dar a gloriosa volta olímpica ao estádio.

 

Mas fiquei cansado. Fiquei muito cansado.

 

E ainda estou.

 

E mesmo eu, que um dia, logo no início do meu primeiro ano de trabalho como médico, escrevi uma crónica onde fiz a apologia do estudante profissional, tenho de admitir que agora tenho dúvidas, que agora talvez esteja mudado...

 

Tenho de admitir que estou cansado.

Que agora não é hora de estudar.

Que agora não me apetece mesmo estudar!




Sem comentários:

Enviar um comentário