domingo, 4 de maio de 2025

O meu Dia do Apagão - parte 2

 

Eram 14h quando a fome chegou.

Aproveitei um resto de arroz e salada que tinha no frigorífico, abri uma lata de atum e complementei o conteúdo proteico do repasto com um pudim proteico de chocolate. E comi uma maçã.

 

Depois de lavada a louça, o cansaço pós-prandial começou a amolecer o corpo e decidi fazer uma sesta.

 

Eles entretanto devem resolver isto...

 

Só que os meus olhos reabriram de novo para uma escuridão apenas iluminada pelo sol que se mantinha radiante lá fora, já por volta das 16h.

 

Olha, afinal isto ainda vai demorar...

 

Neste lapso temporal em que o meu cérebro se “apagou” para descansar, começaram a surgir notícias de que a resolução do Apagão poderia demorar até 72h. Isso e teorias sobre ciberataques e conspirações envolvendo Vladimir Putin... Tudo isso me passou ao lado, apenas o descobri quando a normalidade foi restabelecida. São informações como estas que podem alarmar ainda mais uma população, daí que tivesse sido natural todo aquele acorrer às bombas de combustível a que assistimos. É dos principais impulsos sempre que sobre nós se abate uma crise deste nível... O que não sabia era do “assalto” aos supermercados. Não que me admirasse o açambarcamento também ele muito habitual nestas circunstâncias. O que me surpreendeu mesmo foi que os supermercados estivessem abertos, já que o único a que fui, escassa meia hora depois do Apagão, se encontrava às escuras e encerrado. Não me lembrei que existem geradores!

 

Bem, entretanto, comecei a ouvir barulho no corredor do piso. Fui espreitar pelo óculo da porta e observei o desfile de pessoas com lanternas na mão que subiam e desciam as escadas, impossibilitadas que estavam de utilizar o conforto do elevador. Os velhinhos que vivem no 4.º andar é que estão tramados...

 

Por esta altura, comecei também a avaliar a minha própria situação. O apartamento era fresco e isso assegurava uma boa conservação dos bens alimentares restantes no frigorífico. Por outro lado, já não tinha massa, arroz ou batatas. Mas mesmo que tivesse estava totalmente dependente de eletricidade para poder os cozinhar. A fonte de hidratos era flocos de aveia. Ainda tinha duas latas de atum e um pouco de salada que chegavam para o jantar. E fruta e iogurtes para esse dia e o seguinte. O dia lá fora estava magnífico e eu podia muito bem ir caminhar ou até correr enquanto eles resolviam o Apagão. Só que havia um pequeno grande pormenor... A maldita chave da porta de entrada no prédio! Pelo facto dessa chave não estar a funcionar, iria estar sempre dependente de alguém para poder reentrar. Que chatice!

 

Por outro lado, tinha gasóleo suficiente no carro para regressar a Penacova, onde podia usar um fogão a gás ou até acender uma fogueira para cozinhar o que fosse preciso para mim e para os meus pais, que eu bem sabia que o frigorífico e a arca congeladora estavam bem atestados!

 

Assim foi. Coloquei os iogurtes proteicos que restavam no congelador do frigorífico para se aguentarem mais tempo e dirigi-me ao carro, que, em contraste com o interior do apartamento, estava uma boa estufa depois de largas horas a bronzear.

 

Já a caminho, passei por umas bombas de combustível e fiquei abismado com a enorme fila já formada. É que não eram dez nem vinte carros, eram seguramente já uns dois ou três quilómetros de fila! Numa estrada nacional! E os condutores que se encontravam distantes do posto de combustível nem deviam fazer a mínima ideia do porquê daquele engarrafamento. Ainda bem que neste sentido não há bomba de combustível, senão já estava tramado!

 

Pouco depois alcancei a A1 e comecei a prestar atenção às notícias da rádio:

“Abrantes já tem luz!”

“Há poucos minutos foi reposta a normalidade em Vila Nova de Gaia.”

“O município de Estarreja também já tem eletricidade!”

 

Olha, afinal se calhar até podia ter ficado onde estava que eles, entretanto, iam mesmo resolver o Apagão...

 

Ia eu precisamente a passar a área de serviço de Estarreja quando recebi uma chamada telefónica do meu pai. Deu para perceber que ele estava bem, mas logo a seguir perdi o sinal. Nessa área de serviço, como na de Cantanhede, as filas para o abastecimento de combustíveis também eram consideráveis. Coitados dos funcionários das bombas, hoje não têm descanso!

 

O trânsito, esse, era o habitual para as 17h-18h na A1. De tal modo, que o percurso até Penacova se fez tranquilamente.

 

Cheguei a casa dos meus pais e eles lá me receberam e contaram as incidências do seu dia. Eu, como ainda tinha tempo até à hora de jantar, decidi ir fazer a tal corrida e aproveitar o bom tempo que, segundo as previsões, iria em breve sucumbir a nova vaga de chuva no final da semana. Sabia bem que corria o risco de tomar banho de água fria, mas naquele dia isso não interessava! É que as pernas queriam movimento e a tarde estava magnífica! E acabei por ter sorte, ainda havia uma réstia de água quente no depósito da caldeira.

 

Chegada a hora de fazer o jantar, o meu pressuposto de que em casa dos meus pais beneficiaria do fogão a gás foi cumprido e preparamos a refeição para degustar ao jeito do antigamente dos tempos modernos: à luz das lanternas.

 

Terminado o jantar, o meu pai foi à rua alimentar os gatos. “Já há luz!”, ouvi ele anunciar. Depressa carreguei num interruptor, mas nada. Então, precipitei-me para o exterior onde os meus olhos foram logo atraídos por aquela estrela polar a que chamamos candeeiro de iluminação.

 

E nem deu tempo para o olhar cegar pelo ponto de luz radiante no meio do escuro da noite já cerrada, pois logo a seguir, no interior da casa fez-se luz!

 

Eram 21h40!

 

Em retrospetiva, este meu Dia do Apagão foi bastante tranquilo comparado com o dia de muitos portugueses e espanhóis. Viajei de avião, mas tinha regressado a Portugal na véspera, logo não fiquei retido no aeroporto. Escapei por minutos à “prisão” dos portões de garagem elétricos. Tinha combustível suficiente para me deslocar. Não estava a trabalhar nesse dia. Tinha comida (e papel higiénico!!!) suficiente para me aguentar um par de dias. Consegui cozinhar com recurso a gás. Não fiquei retido em filas e filas de trânsito. Não fiz musculação, mas fiz corrida. Estive alienado das notícias umas boas cinco horas o que pode ter ajudado a evitar stresses desnecessários.

 

Enfim, o meu Dia do Apagão até foi um dia bom!

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