domingo, 8 de junho de 2025

Sporting Bicampeão 2025: a crónica - parte 2

 “Quando faltar inspiração, que não falte a atitude!”

Foi com este mote que Rui Borges se apresentou ao universo leonino no dia 26 de dezembro de 2024.

 

O treinador estava a cumprir uma primeira metade de temporada de sonho aos comandos do Vitória SC, com uma participação esdrúxula na Liga Conferência. Um ex-jogador modesto que subiu paulatinamente na hierarquia do futebol nacional até se tornar num dos mais promissores dentre os treinadores da nossa liga. Um homem simples de Mirandela, antítese perfeita do “Sporting dos ricos”, como muitas vezes nos chamam os rivais.

 

E era precisamente contra o grande rival Benfica que a nova equipa técnica se iria estrear, escassos três dias transcorridos após a apresentação. O cenário não poderia ser por isso mais negro para a turma de Alvalade... Mas no dia 29 de dezembro de 2024, o que vimos no campo foi uma equipa absolutamente transformada. E com muita, muita atitude! De gatinhos adormecidos, como que anestesiados por cetamina ou propofol desde a saída de Amorim, Viktor Gyökeres e companhia apresentaram-se em campo como autênticos leões à solta. Se antes se arrastavam pelo campo, agora cavalgavam como se a sua vida dependesse daquela vitória. ATITUDE! A atitude do Sporting avassalador estava de volta. A inspiração não era a mesma, mas a atitude essa sobressaía de forma inegável. “O nosso Sporting está de volta!!!”, disse eu aos amigos que comigo viram este Sporting vs Benfica num bar perdido nos becos de Madrid. Ganhamos esse jogo por 1-0, com Geny Catamo a ser novamente o caça-águias de serviço, e recuperamos a liderança que muitos já diziam estar perdida para sempre.


Festejos da vitória contra o Benfica, em Madrid, com os meus amigos David Coutinho e André Peixoto.


Claro que na primeira jornada de 2025, no fecho da primeira volta, veio aquele empate agridoce em Guimarães, no jogo mais louco do campeonato. Quem diria que podíamos ter perdido uma partida em que Gyökeres faz um hat-trick? Não fosse o golo de bandeira que Trincão fez ao cair do pano para selar o 4-4 final e o desfecho do campeonato poderia ter sido bastante diferente... Ainda para mais este golo tardio aconteceu numa jornada em que Benfica e Porto ambos perderam, transformando assim dois pontos perdidos num ponto ganho! Incrível. E a montanha-russa de emoções deste campeonato ainda só estava no início!

 

Depois seguiu-se a pausa para a Final Four da Taça da Liga e obviamente que a derrota deixou mossa. Em Leiria, o Sporting eliminou o FC Porto na meia final para depois perder nos penalties o troféu para o Benfica. Francisco Trincão falhou o penalty decisivo numa altura em que se encontrava bastante desgastado. Era (e foi) o jogador mais utilizado em toda a época e não merecia ter sido ele a sair cabisbaixo do relvado. Ainda assim, a reação dos colegas e dos adeptos foi tremenda em o apoiar. E ele haveria de ter a sua redenção...

 

“Se não ganhámos esta Taça da Liga é porque há algo muito melhor guardado para nós”. 

 

Foi com esta frase inspiradora e profética, a fazer lembrar Fernando Santos no Euro 2016, que Rui Borges reagiu no pós-jogo, a 11 de janeiro de 2025.

 

Sócios do Núcleo Sportinguista de Penacova em Leiria, para a Final da Taça da Liga. Da direita para a esquerda: eu, Zé Pedro Paiva, Ricardo Teixeira, Pedro Afonso Assunção e Rodrigo Silva.


A meio de janeiro era mesmo necessária muita crença para uma equipa cansada e desgastada física e mentalmente se poder aguentar nos quase 5 meses que faltavam cumprir. Uma das explicações para todo este desgaste advinha da outra grande contrariedade que assolou a época verde e branca. Além da súbita saída de Rúben Amorim em novembro, a temporada leonina ficou marcada por uma inaudita onda de lesões musculares e macrotraumáticas que se iniciou em Famalicão com a perda de Nuno Santos. No último jogo de Amorim perdemos Pedro Gonçalves. E depois com João Pereira vários jogadores, entre os quais Morita, Inácio e Eduardo Quaresma sofreram lesões que os afastaram durante semanas. Com Rui Borges o azar prosseguiu, notavelmente com nova rotura do ligamento cruzado anterior a afastar Daniel Bragança no empate ante o Arouca. Também o nosso grande capitão Hjulmand e o nosso Exterminador Implacável Gyökeres estiveram de fora ou condicionados durante algumas partidas. Perante um incêndio desta dimensão, que não parava de consumir hectares em Alcochete, os alarmes do quartel da equipa B soaram sem parar durante semanas e os bombeiros de pronto lançaram as escadas rumo à equipa A para a tentar salvar da anunciada morte lenta e agoniante. É que um dos fatores principais que dita o sucesso de uma equipa de futebol é precisamente a ausência de lesões ao longo da temporada. A própria ciência fazia crer que o Sporting não iria conseguir manter-se na luta pelo título, mas nem isso nos parou! Nem mesmo quando os próprios jovens da equipa B também sucumbiam a lesões, como foi o caso do notável João Simões, figura maior deste corpo de bombeiros que nos segurou de dezembro a março. É absolutamente impressionante como, com tanta contrariedade e com um rival Benfica com um plantel tão rico e profundo, o Sporting nunca tenha descolado da liderança do campeonato! Incrível!


Ambiente na zona das roulotes antes do jogo em casa contra o Farense.

Ambiente dentro do estádio no jogo contra o Farense, que terminou com vitória por 3-1 e com mais um cliente para a longa lista do departamento médico, Geny Catamo.

Ainda assim, houve um momento em que podíamos ter deitado tudo a perder. Falo da sequência de três empates seguidos nos jogos FC Porto (fora) – Arouca (casa) – AVS (fora), em que muitas vezes deixamos fugir a vitória nos minutos finais. Se Rui Borges trouxe de novo a atitude ao plantel, a verdade é que o seu Sporting entrava forte nas partidas, adiantava-se no marcador, mas teimava em deixar escapar muitos pontos nos derradeiros instantes. E mais pontos teriam voado não fosse ter chegado em janeiro ao Sporting o guarda-redes Rui Silva, português perdido por Espanha, que veio trazer à equipa a segurança que faltava na baliza. Mas nem mesmo ele conseguiu evitar que, no infame jogo contra o SC Braga em Alvalade, uma volta depois da saída de Amorim, os leões deixassem escapar dois pontos perto do final, num jogo em que Gyökeres marcou golo num livre de génio e que a “maçã podre” João Moutinho foi expulsa para gáudio das bancadas que passaram o jogo todo a assobiar violentamente o seu antigo capitão. Foi uma viagem muito difícil de Lisboa até Coimbra nessa segunda feira, 7 de abril, pois o Benfica tinha goleado o FC Porto na véspera e com isso reassumido a liderança, algo que não acontecia desde o Natal.


Momento especial patrocinado pela Betano antes do início do jogo contra o SC Braga.

 

A apoiar nas bancadas no jogo em casa contra o SC Braga que terminou empatado a uma bola, resultado que deixava o Benfica isolado na liderança.

 

Estávamos, portanto, em abril de 2025. E a minha cabeça começava a construir o pior dos cenários, fruto de vários factos históricos que de novo se reuniam. O Papa Francisco falecia em abril, vinte anos depois do Papa João Paulo II se ter despedido do mundo terreno, em abril de 2005. Precisamente nessa amarga campanha de 2004-2005, o Sporting de José Peseiro, apesar de encantar a Europa com o seu futebol, ia acabar por perder todos os troféus nos momentos decisivos. Era o tempo do “Sporting Clube dos Foices”, como um amigo de escola me dizia: “foice a Taça, foice a Taça Uefa, foice o campeonato”.

 

Será que vinte anos depois estaríamos perante um novo “Sporting Clube dos Foices”?! 

 

Será que o jogo da Supertaça, em que deixamos fugir uma vitória mais do que certa, não passou de uma grande premunição, um resumo antecipado do que afinal seria esta temporada 2024-2025?!

 

Será?!

 

Calma!

 

Calma que na semana a seguir o Benfica escorrega em casa na receção ao Arouca e deixa fugir de novo o primeiro lugar para o Sporting... Este campeonato estava impróprio para cardíacos!

 

E mais taquicardizante ainda ficou quando o Sporting recebeu o Gil Vicente. Os galos de Barcelos adiantaram-se na primeira parte de penalty e estiveram a ganhar até ao minuto 81. Nessa altura, Harder remata para onde estava virado, a bola ressalta num adversário e sobra direitinha para Maxi Araújo empatar; e depois, ao minuto 90+3, na sequência de um canto, Eduardo Quaresma remata de longe, com a bola a desviar num defensor para morrer no fundo da baliza, fazendo explodir o estádio. Absoluta loucura! Um final de jogo digno da temporada do primeiro título com Amorim. Ele estava longe, mas a “Estrelinha” voltava a iluminar Alvalade!

 

O tal golo de Eduardo Quaresma ante o Gil Vicente e a euforia que se seguiu, visto da bancada superior atrás da baliza. Créditos a um amigo sportinguista que lá esteve.


Graças a este final à Hitchcock o Sporting chegava à jornada 33 na liderança, com um ponto de vantagem sobre o Benfica. A penúltima jornada no Estádio da Luz, a 11 de maio, transformava-se assim na verdadeira final antecipada do campeonato. Se o Benfica ganhasse por dois golos de diferença, ultrapassava o Sporting e sagrava-se campeão. Se o Sporting ganhasse faria a festa na Luz. Se empatassem ficava tudo adiado para a derradeira jornada, com o Sporting em vantagem. E foi precisamente o último cenário que aconteceu. Francisco Trincão (vejam quem!) abriu o marcador num belo remate de primeira logo aos 4 minutos. Na segunda parte o Benfica veio com tudo para cima de nós, mas apenas logrou empatar por Aktürkoğlu. Mesmo com aquela sombra de deixar escapar pontos nos últimos minutos a fazer acelerar os corações leoninos, a verdade é que Schjelderup não foi capaz de aproveitar o último lance de perigo e o jogo terminou empatado a uma bola.

No bar na sede do Núcleo Sportinguista de Penacova, a festejar o saboroso empate frente ao Benfica.

 

E a euforia tomou conta dos adeptos leoninos e a depressão dos encarnados. Houve muitos excessos nessa noite. A turma de Alvalade foi brindada por uma receção apoteótica em Alvalade por milhares de torcedores que pareciam estarem já a fazer a festa da vitória final. Só que ainda faltava um jogo. E era com o Vitória SC. 

 

Nessa última jornada, a 18 de maio, o Sporting recebia então o Vitória SC e o Benfica ia a casa do SC Braga. O Sporting jogou mal a primeira parte, a fazer lembrar a exibição cinzenta contra o Gil Vicente. Só que o Benfica ia perdendo em Braga e isso dava o título aos leões. E depois na segunda parte, ao minuto 55, Pedro Gonçalves concluiu uma boa jogada de equipa com um remate de belo efeito, carregado de poesia pelo calvário pelo qual passou nesta temporada, fazendo saltar de alegria as bancadas nervosas de Alvalade. O Benfica ainda empatou a partida em Braga, mas aos 83 minutos a nossa máquina assassina sueca, Viktor Gyökeres, sentenciou a partida. E nos festejos tirou a camisola, contraiu todas as fibras da armadura natural a que chama corpo e em direção às bancadas fez a máscara que o celebrizou.

 

As bancadas explodiam. As lágrimas escorriam.

 

71 anos depois, o Sporting conquistava o bicampeonato!


A celebrar o bicampeonato na sede do Núcleo Sportinguista de Penacova, com o meu grande amigo Zé Pedro Paiva, com quem partilho muitos destes momentos.


Todo o Núcleo Sportinguista de Penacova a entoar bem alto O Mundo Sabe Que no final do jogo que deu o bicampeonato ao Sporting.


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