Há uns anos, eu corria bastante. Ainda não estava na moda os trails como hoje, mas desbravar serras e vales com a sola das minhas sapatilhas era uma das minhas grandes paixões! E como todas as paixões que só os escritores tornam eternas, a minha se tornou fatal. A ignorância de quem usava calçado desadequado à prática daquele tipo e volume de exercício condicionou uma incapacitante tendinopatia de Aquiles. Após um curso inicial de crioterapia e anti-inflamatório oral e tópico, houve necessidade de fazer fisioterapia para debelar a lesão. E naquela altura, um dos esquisitos tratamentos consistia na introdução de um anti-inflamatório líquido numa esponja, a qual era submetida a uma leve corrente elétrica... O médico que me prescreveu o tratamento, explicava-me que aquilo servia para aumentar a penetração no tendão lesado... Assim foi e nessa altura o tratamento acabou por resultar.
Dois anos mais tarde, encontrava-me profundamente desanimado. Tinha entrado no 4.º ano de Medicina e as cadeiras clínicas preenchiam agora o meu dia-a-dia. É aquela altura em que o jovem estudante de Medicina começa a tomar contacto com as diversas especialidades, deixando para trás os estudos gerais de Anatomia, Fisiologia e Farmacologia. Confesso que eram essas as áreas que mais me entusiasmavam e perante um cenário dominado por cadeiras de Hematologia, Endocrinologia e Neurologia comecei a esmorecer. Esse semestre na FMUC era dos mais exigentes a nível de carga horária e avaliações. Paralelamente, estava muito envolvido nas atividades do Núcleo de Estudantes de Medicina, as quais consumiam muito do pouco tempo livre de que dispunha. Andava de tal modo abalado que ponderei seriamente desistir do curso de Medicina. É verdade! Desistir ou pelo menos fazer uma pausa e enveredar por outra área qualquer. Na altura, ponderei dedicar-me aos relatos desportivos... Quando era pequeno, passava manhãs e tardes inteiras a relatar partidas no Football Manager enquanto jogava e sabia as estatísticas todinhas sobre futebol... mas a Faculdade acabou por me afastar desse rumo... Como também gostava de escrever, cheguei inclusive a pensar ir para Jornalismo... Por esta altura, muito pouca coisa me interessava na Medicina...
Dobrada a mais hercúlea época de exames que tive, com o início do 2.º semestre, decidi tomar uma decisão bastante importante. Inicialmente havia decidido guardar a escolha da cadeira opcional de Medicina Física e de Reabilitação (MFR) para o 5.º ano, altura em que iria ter Ortopedia e Reumatologia, cadeiras que condiziam bem com algumas das valências da Fisiatria. Mas não conseguia aguentar mais aquela dúvida patológica: precisava de saber se gostava assim tanto de MFR quanto julgava. E assim foi, antecipei em um ano a escolha de MFR como cadeira opcional.
5.ªf à tarde, primeira aula de MFR. O Professor começa a falar das generalidades da especialidade, do modo como a funcionalidade é essencial no management dos doentes. Gostei. Noutra aula, falou-se da histopatologia das lesões tendinosas, bem como de agentes físicos. Adorei! Não imaginava até aí que se pudesse falar de Reabilitação de modo tão científico e cuidado. As aulas práticas que tínhamos consolidaram ainda mais um novo estado de espírito: agora sim, começava a ficar mais animado! Mas o dia em que apaixonei definitivamente pela Fisiatria, foi num dia em que me encontrava na Biblioteca do CHUC a estudar para o teste de MFR. Estava a ler a parte de uma modalidade terapêutica, da qual nunca havia ouvido falar até esse momento, designada iontoforese. Acontece que a descrição do tratamento me fez viajar aos dias em que estava deitado na marquesa do ginásio da clínica onde havia andado a fazer tratamentos dois anos antes. Fiz estalar o polegar no 3.º dedo da mão direita ao mesmo tempo que disse na minha cabeça: “foi isto que me fizeram!!!”.
Pela primeira vez, um tratamento de Medicina fazia perfeito sentido na minha cabeça! Eu, que era considerado um bom aluno na faculdade, experienciava bastantes dificuldades em encadear o raciocínio diagnóstico e terapêutico convencional. Os exames complementares de diagnóstico e os fármacos tradicionais não me entusiasmavam. Pelo contrário, eram os agentes físicos e algumas terapêuticas alternativas as que punham o meu sistema límbico a dar voltas de felicidade!
Nessa tarde, um enorme sorriso cresceu no meu rosto. Era mesmo isto: MFR era o caminho!
Sem comentários:
Enviar um comentário