sábado, 19 de janeiro de 2019

Memórias do Ano Comum - Parte 4: O final "social"

Outubro, Novembro e Dezembro. Os últimos três meses da minha vida como Interno do Ano Comum seriam passados no estágio de Medicina Interna.

Quem me conhece sabe que Medicina Interna nunca foi algo que me atraísse e, portanto, as expectativas para este estágio não eram as melhores... No entanto, surpresa das surpresas... adorei! Tive sorte, é certo, na enfermaria onde fui colocado. É que os médicos, os enfermeiros e os auxiliares foram cinco estrelas, a começar na imagem de marca do serviço: a boa-disposição de uma secretária clínica que, para além de semear bom ambiente, resolve muitos dos problemas deste serviço!

A Medicina Interna é a espinha dorsal de um hospital. É o grupo de clínicos com conhecimento mais abrangente, o que os torna líderes por natureza. No entanto, as últimas décadas têm tornado a Medicina Interna menos atrativa para os jovens médicos: cada vez são mais os turnos de urgência e cada vez mais idosa é a população.

Não é que os internistas tenham aversão aos idosos, não é disso que se trata. O problema é que a Medicina Interna em Portugal é praticada por médicos que aprenderam a tratar adultos e não esta nova vaga demográfica. É que parecendo que não, as diferenças são muitas: as doenças são outras, a respostas aos tratamentos não é igual e a relação médico-doente também difere bastante. Não é por acaso que em países como o Reino Unido e Espanha foi tenha sido criada a especialidade independente de Geriatria, com o intuito de mais bem servir as necessidades dos nossos felizmente cada vez mais duradouros avós. Em Portugal ainda necessitam de ser dados alguns passos rumo à concretização deste objetivo premente.

Um outro fenómeno que tem assolado a Medicina do século XXI é a emergência de uma nova entidade clínica que se tem vindo a transformar numa epidemia que se alimenta insaciavelmente de vagas hospitalares. Estou a falar dos “casos sociais”. Esta crua designação hoje vulgarizada no léxico dos profissionais de saúde é atribuída aos doentes que ficam eternamente instalados nos hospitais. É uma dura realidade: doentes já tratados, com o seu estado clínico restabelecido ao normal (ou o mais próximo possível), mas que por estarem dependentes de terceiros para as atividades de vida diária e não terem vagas em instituições de cuidados continuados, lares etc acabam por permanecer retidos nos hospitais (às vezes durante mais de meio ano!!!) até que os Assistentes Sociais ou Deus encontrem para si solução. Para além da dimensão humana do problema, o facto destas pessoas estarem votadas a um ambiente hospitalar acaba por consumir imensos recursos: é uma cama que não pode ser ocupada por outra pessoa efetivamente doente, são horas de trabalho de auxiliares, enfermeiros e médicos despendidas... Enfim, como futuro Fisiatra, uma especialidade intimamente ligada a este tipo de cuidados, tenho de alertar para a urgência no investimento em unidades de cuidados pós-hospitalares. Temos de dar aos nossos pais, aos nossos avós, os cuidados e carinho que tanto merecem!

De facto, os “casos sociais” são um dos desafios da Medicina atual e ironicamente esta passagem pela Medicina Interna de Faro foi ela própria, num bom sentido, um autêntico “caso social”! É que foram dias e dias passados na companhia de Internos das mais variadas áreas (Oncologia, Medicina do Trabalho, Reumatologia, Neurocirurgia, Anestesiologia, Gastrenterologia...) que me vão deixar muitas saudades! A somar a isso, também tive a sorte de encontrar excelentes especialistas que nos ensinaram profícuos conhecimentos médicos. E em particular, um houve que nos deu a conhecer muitos dos bons restaurantes lá da zona e enriqueceu sobejamente o nosso conhecimento da enologia nacional! A todos, muito obrigado! Foi um privilégio ter sido vosso colega e interno!

Porque, de facto, a nossa vida não se reduz ao trabalho... e essa foi a grande lição que trouxe deste Ano Comum passado em Faro!

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