segunda-feira, 20 de maio de 2019

Carpe vitae

Toda a gente tem direito a descomprimir! Quem não se recorda da célebre fotografia de Michael Phelps a fumar marijuana, 3 meses após ter alcançado umas impressionantes 8 medalhas de ouro nos Jogos Olímpicos de Pequim 2008? Muito criticado na altura, a verdade é que depois disso a “Bala de Baltimore” continuou a ganhar, a ganhar e a ganhar até se reformar.

Quem acompanha o mundo do desporto sabe que eventos desta natureza, às vezes até socialmente de se lhe torcer o nariz, não são infrequentes em atletas de elite que, para atingir elevado desempenho, tiveram de fazer grandes renúncias ao longo da louca, irreverente e inocente juventude!

No entanto, nem é preciso subir ao desporto de elite para verificarmos a necessidade de fazer sacrifícios. Quem anda na vida da Medicina provavelmente sabe bem do que estou a falar.

A este propósito recordo sempre aquele domingo de manhã na primavera de 2010. Iria ter teste de Geologia na 3.ªf seguinte. O meu tio, acérrimo benfiquista, tinha comprado 2 bilhetes para ir ver o Académia vs Benfica desse domingo à tarde comigo. E eu à última hora disse-lhe que não podia ir, porque não conseguia lidar com o stresse de estar a perder tempo de estudo. O meu tio compreendeu, mas acabou por não ir ao jogo, por falta de companhia. A ironia e (o pior) é que no dia do teste a professora faltou por doença e a prova foi adiada para a semana seguinte... Quem me conhece sabe que mais que emblemas, o que eu adoro é futebol, é bom futebol de estádio cheio, e ter perdido assim a hipótese de ver ao vivo uma das equipas mais entusiasmantes dos últimos anos do futebol português (o tal primeiro Benfica de Jorge Jesus) foi deveras irritante e frustrante!

Mais tarde relembro-me de um final de tarde de sábado em casa de um grande amigo de escola. Estava no 5.º ano da Faculdade e iria ter 2 exames na semana seguinte. Comemos, bebemos, divertimo-nos. Era já quase 1h da manhã e eles queriam ir sair. Uma das melhores coisas que a Faculdade me trouxe foi o gosto por sair à noite. Mas nessa altura, metas mais altas se levantaram e dos 2 carros que saíram daquela casa nessa noite, um virou à esquerda e outro à direita. Literalmente. Eles seguiram pela esquerda em direção a Coimbra. Eu cortei à direita em direção a Penacova, à minha casa. Eles podiam. Eu não sei se podia... Custou. Mas a recompensa veio no fim!


Em momentos de descrença, a fraqueza da condição humana traz sistematicamente à mente a dúvida: será que vale a pena tanta provação?

Qualquer que seja o contexto, perder por falta de empenho é simplesmente um desperdício inconcebível! Ainda assim, temos de reconhecer que jogar ou estudar na alta competição não é fácil: requer uma tremenda cegueira periférica, um religioso dogmatismo de prioridades que nem toda a gente consegue praticar. E ninguém consegue ser fiel sempre!

Talvez por isso é que chegados a determinada altura da vida deixamos de viver para a missa de domingo de manhã...

Talvez por isso é que terminada uma carreira tendemos a iniciar uma travessia pelo mar de dúvidas: será esta uma verdadeira reforma ou antes um longo final de época, um preâmbulo para algo mais? 

A certeza que agora tenho é que estas são águas nas quais nem sempre é fácil nadar, sobretudo até compreendermos que são tão mais agitadas quanto mais nós as sacudirmos. Por vezes, demoramos demasiado tempo a perceber que, de facto, não são águas que se combatam... são águas para relaxar, águas para fruir... São águas que um dia acabarão por secar naturalmente... Por isso, enquanto correrem fortes, devemos deixar-nos arrastar pela corrente para não morrer afogados nas lágrimas daquele velhinho que, um dia debilitado, irá chorar aquilo que não viveu!

Sem comentários:

Enviar um comentário