No passado dia 19 de abril de 2025, no Sábado de Aleluia, celebrou-se a 61.ª Edição dos Solteiros x Casados em Penacova, uma tradição muito antiga no nosso concelho.
Desde a primeira edição em 1964, todos os anos é nomeada uma comissão que é incumbida da nobre tarefa de providenciar um Sábado de Aleluia de muita alegria e folia aos penacovenses. Este ano, o grupo responsável por levar a cabo a missão incluiu por ordem alfabética: António “Iscas” Duarte, Ana Amaral, André Amante, André Rafael Soares, Arsénio Senisga, Diana Felgar, Eduardo "Kabasaki" Assunção, Filipe Amante, Gonçalo Engenheiro, José Cunha ("Zé do Judo"), Magda Rodrigues, Óscar Simões, Pedro Martinho, Rafael Ferreira, Ricardo Simões e Tiago "Tuca" Costa.
A preparação começa habitualmente com a recolha de donativos nos Reis. Nessa noite fria de janeiro, mais uma vez o calor da população de Penacova fez-se sentir nos donativos que foram enchendo o saco com o passar das horas. Horas essas que eram para ter terminado num fino, dois ou quiçá três no Jó das Bifanas, cuja boa fama é conhecida de Norte a Sul do país e além-fronteiras. Contudo, para alguns já só findou de madrugada, vários metros acima (e não, não se trata de um trocadilho), no antigo bar RedLine (agora simplesmente Red), na Cheira.
Depois seguiram-se as verdadeiras reuniões preparatórias, onde se teceu a estratégia para levar a festa avante. Ao longo dos anos, há certas “tradições” que se se têm mantido no seio desta grande Tradição. Existem os habituais patrocinadores que já estão a contar com a sua participação anual e também pessoas que têm o gosto de desempenhar um determinado papel no evento. Tudo isto facilita a organização anual deste evento aos mordomos que se vão sucedendo. O design gráfico esteve a cargo do mordomo Rafael Ferreira, com a qualidade bem patente nas camisolas e na caneca-brinde.
Chegada a Sexta Feira Santa, pelas 22h, a comissão reúne-se no Terreiro e de lá segue para o Café Turismo para a antecâmara do primeiro ato do convívio, o assar das chouriças e das morcelas à meia noite. Enchidos fornecidos pelo Talho do Celso, sito em frente à Caixa Geral de Depósitos. Como o São Pedro nos mandou chuva, tivemos de acender as brasas no abrigo do Parque de Estacionamento de Penacova, gentilmente cedido pela Câmara Municipal. É também nesta altura que se provam pela primeira vez as famosas águas de cor rouge de Monte Redondo, tradicionalmente transportadas imaculadamente até ao centro do município pela família Brás. Há anos em que essas águas jorram do pipo de madeira, outros há, como este, em que o néctar dos deuses vem aconchegado em garrafões. A qualidade, essa, quem prova nunca esquece! (Ou melhor...)
Na manhã seguinte de Sábado de Aleluia, com mais ou menos horas de sono, logo bem cedinho, eis que chega a altura da espampanante e triunfante chegada dos gaiteiros. Gladiados por alguns dos mordomos da festa, este grupo percorre os recantos da vila de Penacova, espalhando alegria e boa disposição aos habitantes, de porta em porta.
Concomitantemente, os restantes mordomos e amigos que se juntam para ajudar encarregam-se de ir preparando o generoso repasto coletivo que, em virtude do mau tempo, também teve de ser cozinhado e servido no Parque de Estacionamento. É preciso cortar batatas e preparar os rojões, cozinhados com a sabedoria da antiga cozinheira da Escola Primária, a Sra. Dona Lurdes, avó do mordomo André Soares. Estes saborosos pedaços vão-se juntar ao prato principal, a carne de porco, grelhada por cada um dos conviventes nos grelhadores que, depois de uma noite de árduo labor, pegam de novo ao trabalho para matar a fome aos amigos que se juntam em seu redor.
Para providenciar a festa de um financiamento extra, a comissão também se encarregou de encomendar t-shirts alusivas ao evento. Houve tamanhos para todos, do S ao XXL, mas os maiores esgotaram rápido. Por isso, quem não conseguiu a sua este ano, em 2026 tem de acorrer logo à banca para não perder a desejada recordação.
A refeição foi decorrendo a bom ritmo, juntando amigos e famílias que se veem todos os dias, todas as semanas ou apenas todos os anos. Mais para o fim do almoço, os gaiteiros voltam a dar o ar da sua graça e entretêm as gentes de Penacova, enquanto não chega a hora de rumar ao recinto do ansiado derby Solteiros x Casados.
Gaiteiros a animar o almoço.
Este ano esse clássico pascal do futebol municipal decorreu no Estádio da Feira Nova, em Gavinhos. Alguns membros da comissão foram mais cedo para, em colaboração com a Direção da União FC, a quem muito agradecemos os seus esforços e diligências, abrir os balneários e colocar a maglia de jogo. O manto sagrado, esse, foi gentilmente fornecido pela Junta de Freguesia de Penacova, que este ano renovou o leque de equipamentos de jogo, que com o decorrer das edições acabam por se desgastar.
Além das camisolas, há um elemento imprescindível ao bom curso da partida: o belo do garrafão de vinho, estrategicamente posicionado no banco de suplentes dos Solteiros, autêntico e potente agente dopante que ninguém vai controlar no final dos “90” minutos. Noventa entre aspas, porque o dia já ia longo e a noite ainda tinha um jantar no menu da festa, e como tal, a duração da partida teve de ser encurtada para meia hora para cada parte e mesmo assim, a última meia hora até parece que passou mais depressa do que a primeira... O que foi uma pena, pois os espectadores que acorreram neste dia chuvoso ao recinto da União FC bem que mereciam ter sido prendados com mais uma dúzia de jogadas de categoria por parte dos grandes craques do nosso concelho.
Bem, camisolas vestidas, sapatilhas ou chuteiras calçadas, e copo ou copos bebidos, os misteres deram a tática e o respetivo grito para motivar as odes. O pontapé de saída foi dado pelo mais antigo ex-jogador presente, Luís Amante e, ao contrário das expectativas, os Casados cavaram um fosso de dois golos no marcador logo na primeira parte, fruto de dois lances em que o guarda-redes dos Solteiros foi manifestamente mal batido. Ainda assim, os Solteiros não desanimaram. Com ligeiras alterações táticas, que incluíram a estratégica largada de vários miúdos na arena relvada para confundir os pais e tios da outra equipa, os Solteiros conseguiram repor a igualdade. E quando pareciam lançados para completar a remontada, eis que os Casados desferiram o duro golpe no estômago: 2-3 já bem perto do intervalo, em mais um lance fortuito do keeper solteiro que, entretanto, tinha substituído o primeiro guardião.
Com os Casados a vencerem por 3 bolas a 2 os Solteiros, o intervalo chegou e nele decorreu a merecida homenagem ao último “sobrevivente” do primeiro Solteiros x Casados a pendurar as botas, o Sr. Evaristo Amante. O homem de 77 anos logrou jogar durante as primeiras 60 edições dos Solteiros x Casados! Incrível! E se a chuva ainda não tinha entrado em campo, parece que quis mesmo abençoar o Sr. Evaristo, tamanha foi a carga de água que se abateu sobre todos nós quando Eduardo “Kabasaki” Assunção, treinador dos Casados, proferia as últimas palavras de homenagem a um homem que ainda no ano passado se exibia a alto nível na turma casada.
A chuvada que marcou o principiar do segundo tempo do derby.
Foi, portanto, debaixo de rajadas de chuva que se entrecruzavam numa dança que encharcava o relvado e os corajosos praticantes que a segunda parte principiou. Ainda assim, contra a desvantagem de uma bola e contra a intempérie, os Solteiros não desanimaram. O jogo endureceu, os nervos começavam a vir à flor da pele, fruto da pressão de manter a vantagem pelos Casados e de a desfazer pelos Solteiros. A segunda parte rolava e a bola teimava em não chegar à baliza casada. E era já quando tudo fazia crer que os Casados iriam levar a vitória para casa, que Dinis dos Solteiros recebe o esférico à entrada da área adversária, a uns 3 metros atrás da meia lua, olha para a baliza, puxa o pé direito atrás e remata em arco, fazendo a bola sobrevoar em câmara lenta toda a defensiva casada para a fazer morrer junto ao ângulo superior direito. As redes estremecem, o seu padrinho Pedro Rico cai no chão, após um esfoço inglório para tentar desviar o esférico do seu destino, e o banco dos Solteiros explode para abraçar o herói do momento. O jogo recomeçou e logo a seguir o árbitro, Arsénio Senisga, no alto do seu juízo imaculado, que torna dispensável qualquer VAR, apitou para terminar o derby que, pelo segundo ano consecutivo terminava empatado a três bolas.
Fotografias de grupo tiradas, as equipas recolheram aos balneários, tomaram um duche rápido e depois, já com a hora a apertar, ainda fizeram uma perninha no bar do União FC, para logo a seguir rumarem ao Terreiro, onde as tropas se concentraram uma vez mais no Café Turismo antes de iniciar a volta de carro à vila de Penacova.
Buzinão atrás de buzinão, a caravana percorreu os meandros da vila, deu a volta ao Mirante Emídio da Silva e depois dirigiu-se para a ponte José Luciano de Castro, onde do lado oposto se encontra a placa de homenagem a Artur Amaral. Este ilustre penacovense era um acérrimo defensor da Tradição, além de ser um escritor de requinte, com um estilo muito próprio que os amigos e conterrâneos recordam ainda hoje com saudade. Este ano, coube a Paulo Dias proferir o discurso de homenagem a este vulto do nosso concelho. Só que ainda o discurso não ia a meio, o São Pedro voltou a pregar uma partida aos presentes e forçou a adiar tudo para o jantar que se seguiu. Ainda assim, tal revés não impediu os mordomos de lançar às águas carregadas dos Rio Mondego o tradicional ramo de flores em homenagem a Artur Amaral.
E eis então que, às 20h e pouco, uma avalanche de mais de cem penacovenses se acumulou no restaurante O Cantinho de Arsénio Gomes, histórico estabelecimento de Penacova, que desde a pandemia transitou para o edifício das Piscinas Municipais, espaço bem amplo e propício tanto a um jantar familiar como a grandes eventos como este.
Após receber a caneca brinde, a maioria dos presentes optou pelo tradicional bacalhau com todos, mas quem não gostasse tinha à sua disposição bifinhos com cogumelos. Tudo devidamente escudado por bebidas de cor branca, bordeaux ou amarelada. Isso e boa disposição encheram a barriga às tropas para a altura da tão aguardada leitura da Ata da 61.ª Edição dos Solteiros x Casados de Penacova.
Como já tinha referido, a malfeitoria de São Pedro horas antes, obrigou a que Paulo Dias lá tivesse que recomeçar o seu discurso de homenagem, que foi uma verdadeira aula de história pincelada com laivos de humor que fizeram jus ao homenageado.
E depois finalmente chegou a vez de Pedro Rico assumir o palco e proceder à Leitura da Ata. E no decurso, houve lugar à nomeação da comissão organizadora da edição de 2026 que certamente ajudará a manter viva uma Tradição reatada em 2022, após a obrigatória suspensão motivada pela pandemia, por um destemido conjunto de penacovenses que incluiu: Armando Mateus, Bruno Esteves, Christopher "Kiko" Carvalho, Guilherme Alvarinhas, José Cunha ("Zé do Judo"), Luís "Teodoro" Rodrigues, Marco Oliveira, Pedro Martinho, Pedro Rico, Pedro Viseu, Ricardo "Riki" Almeida e Tiago Alvarinhas. A estes e a todos os que também se mobilizaram para os ajudar, o meu obrigado!
Pedro Rico na árdua e já habitual tarefa de Leitura da Ata de mais uma preenchida reunião dos Solteiros x Casados, ladeado por um dos mordomos da próxima edição, Pedro Viseu, o dono do restaurante, Arsénio Gomes, e por outro futuro mordomo, Luís "Teodoro" Rodrigues, que contribuiu decisivamente para que a carne e as camisolas não faltassem durante o almoço.
E aos próximos mordomos endereço os meus votos de boa sorte para que em 2026 a Tradição se cumpra.
Viva os Solteiros x Casados!
Viva Penacova!
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Bibliografia: https://penacovactual.eu/2023/04/05/a-tradicao-mantem-se-nos-59-anos-dos-solteiros-casados/?amp=1