quinta-feira, 15 de maio de 2025

Crónica aos 61 anos dos Solteiros x Casados de Penacova

Camisola dos 61 anos dos Solteiros x Casados de Penacova.

No passado dia 19 de abril de 2025, no Sábado de Aleluia, celebrou-se a 61.ª Edição dos Solteiros x Casados em Penacova, uma tradição muito antiga no nosso concelho.

Desde a primeira edição em 1964, todos os anos é nomeada uma comissão que é incumbida da nobre tarefa de providenciar um Sábado de Aleluia de muita alegria e folia aos penacovenses. Este ano, o grupo responsável por levar a cabo a missão incluiu por ordem alfabética: António “Iscas” Duarte, Ana Amaral, André Amante, André Rafael Soares, Arsénio Senisga, Diana Felgar, Eduardo "Kabasaki" Assunção, Filipe Amante, Gonçalo Engenheiro, José Cunha ("Zé do Judo"), Magda Rodrigues, Óscar Simões, Pedro Martinho, Rafael Ferreira, Ricardo Simões e Tiago "Tuca" Costa.

 

A preparação começa habitualmente com a recolha de donativos nos Reis. Nessa noite fria de janeiro, mais uma vez o calor da população de Penacova fez-se sentir nos donativos que foram enchendo o saco com o passar das horas. Horas essas que eram para ter terminado num fino, dois ou quiçá três no Jó das Bifanas, cuja boa fama é conhecida de Norte a Sul do país e além-fronteiras. Contudo, para alguns já só findou de madrugada, vários metros acima (e não, não se trata de um trocadilho), no antigo bar RedLine (agora simplesmente Red), na Cheira.

 

Depois seguiram-se as verdadeiras reuniões preparatórias, onde se teceu a estratégia para levar a festa avante. Ao longo dos anos, há certas “tradições” que se se têm mantido no seio desta grande Tradição. Existem os habituais patrocinadores que já estão a contar com a sua participação anual e também pessoas que têm o gosto de desempenhar um determinado papel no evento. Tudo isto facilita a organização anual deste evento aos mordomos que se vão sucedendo. O design gráfico esteve a cargo do mordomo Rafael Ferreira, com a qualidade bem patente nas camisolas e na caneca-brinde.

 

Chegada a Sexta Feira Santa, pelas 22h, a comissão reúne-se no Terreiro e de lá segue para o Café Turismo para a antecâmara do primeiro ato do convívio, o assar das chouriças e das morcelas à meia noite. Enchidos fornecidos pelo Talho do Celso, sito em frente à Caixa Geral de Depósitos. Como o São Pedro nos mandou chuva, tivemos de acender as brasas no abrigo do Parque de Estacionamento de Penacova, gentilmente cedido pela Câmara Municipal. É também nesta altura que se provam pela primeira vez as famosas águas de cor rouge de Monte Redondo, tradicionalmente transportadas imaculadamente até ao centro do município pela família Brás. Há anos em que essas águas jorram do pipo de madeira, outros há, como este, em que o néctar dos deuses vem aconchegado em garrafões. A qualidade, essa, quem prova nunca esquece! (Ou melhor...)

 

As três mulheres mordomas, Diana Felgar (à esquerda), Ana Amaral (ao centro) e Magda Rodrigues (à direita).


Na manhã seguinte de Sábado de Aleluia, com mais ou menos horas de sono, logo bem cedinho, eis que chega a altura da espampanante e triunfante chegada dos gaiteiros. Gladiados por alguns dos mordomos da festa, este grupo percorre os recantos da vila de Penacova, espalhando alegria e boa disposição aos habitantes, de porta em porta. 

 

Gaiteiros a "acordar" a vila de Penacova.


Concomitantemente, os restantes mordomos e amigos que se juntam para ajudar encarregam-se de ir preparando o generoso repasto coletivo que, em virtude do mau tempo, também teve de ser cozinhado e servido no Parque de Estacionamento. É preciso cortar batatas e preparar os rojões, cozinhados com a sabedoria da antiga cozinheira da Escola Primária, a Sra. Dona Lurdes, avó do mordomo André Soares. Estes saborosos pedaços vão-se juntar ao prato principal, a carne de porco, grelhada por cada um dos conviventes nos grelhadores que, depois de uma noite de árduo labor, pegam de novo ao trabalho para matar a fome aos amigos que se juntam em seu redor.

 

Os grelhadores a trabalhar a bom ritmo no almoço no Parque de Estacionamento municipal.


Para providenciar a festa de um financiamento extra, a comissão também se encarregou de encomendar t-shirts alusivas ao evento. Houve tamanhos para todos, do S ao XXL, mas os maiores esgotaram rápido. Por isso, quem não conseguiu a sua este ano, em 2026 tem de acorrer logo à banca para não perder a desejada recordação.

 

A refeição foi decorrendo a bom ritmo, juntando amigos e famílias que se veem todos os dias, todas as semanas ou apenas todos os anos. Mais para o fim do almoço, os gaiteiros voltam a dar o ar da sua graça e entretêm as gentes de Penacova, enquanto não chega a hora de rumar ao recinto do ansiado derby Solteiros x Casados.


Gaiteiros a animar o almoço.

 

Este ano esse clássico pascal do futebol municipal decorreu no Estádio da Feira Nova, em Gavinhos. Alguns membros da comissão foram mais cedo para, em colaboração com a Direção da União FC, a quem muito agradecemos os seus esforços e diligências, abrir os balneários e colocar a maglia de jogo. O manto sagrado, esse, foi gentilmente fornecido pela Junta de Freguesia de Penacova, que este ano renovou o leque de equipamentos de jogo, que com o decorrer das edições acabam por se desgastar.


Camisolas de jogo no balneário dos Solteiros.


Além das camisolas, há um elemento imprescindível ao bom curso da partida: o belo do garrafão de vinho, estrategicamente posicionado no banco de suplentes dos Solteiros, autêntico e potente agente dopante que ninguém vai controlar no final dos “90” minutos. Noventa entre aspas, porque o dia já ia longo e a noite ainda tinha um jantar no menu da festa, e como tal, a duração da partida teve de ser encurtada para meia hora para cada parte e mesmo assim, a última meia hora até parece que passou mais depressa do que a primeira... O que foi uma pena, pois os espectadores que acorreram neste dia chuvoso ao recinto da União FC bem que mereciam ter sido prendados com mais uma dúzia de jogadas de categoria por parte dos grandes craques do nosso concelho.

 

Os atletas no aquecimento para o jogo.


O bandeirinha Ricardo Simões, um dos mordomos, que se deslocou mais cedo ao campo da Feira Nova para preparar o terreno para os atletas.


Bem, camisolas vestidas, sapatilhas ou chuteiras calçadas, e copo ou copos bebidos, os misteres deram a tática e o respetivo grito para motivar as odes. O pontapé de saída foi dado pelo mais antigo ex-jogador presente, Luís Amante e, ao contrário das expectativas, os Casados cavaram um fosso de dois golos no marcador logo na primeira parte, fruto de dois lances em que o guarda-redes dos Solteiros foi manifestamente mal batido. Ainda assim, os Solteiros não desanimaram. Com ligeiras alterações táticas, que incluíram a estratégica largada de vários miúdos na arena relvada para confundir os pais e tios da outra equipa, os Solteiros conseguiram repor a igualdade. E quando pareciam lançados para completar a remontada, eis que os Casados desferiram o duro golpe no estômago: 2-3 já bem perto do intervalo, em mais um lance fortuito do keeper solteiro que, entretanto, tinha substituído o primeiro guardião.

 


O grito dos Casados.

Com os Casados a vencerem por 3 bolas a 2 os Solteiros, o intervalo chegou e nele decorreu a merecida homenagem ao último “sobrevivente” do primeiro Solteiros x Casados a pendurar as botas, o Sr. Evaristo Amante. O homem de 77 anos logrou jogar durante as primeiras 60 edições dos Solteiros x Casados! Incrível! E se a chuva ainda não tinha entrado em campo, parece que quis mesmo abençoar o Sr. Evaristo, tamanha foi a carga de água que se abateu sobre todos nós quando Eduardo “Kabasaki” Assunção, treinador dos Casados, proferia as últimas palavras de homenagem a um homem que ainda no ano passado se exibia a alto nível na turma casada.

 

A chuvada que marcou o principiar do segundo tempo do derby.

 

Foi, portanto, debaixo de rajadas de chuva que se entrecruzavam numa dança que encharcava o relvado e os corajosos praticantes que a segunda parte principiou. Ainda assim, contra a desvantagem de uma bola e contra a intempérie, os Solteiros não desanimaram. O jogo endureceu, os nervos começavam a vir à flor da pele, fruto da pressão de manter a vantagem pelos Casados e de a desfazer pelos Solteiros. A segunda parte rolava e a bola teimava em não chegar à baliza casada. E era já quando tudo fazia crer que os Casados iriam levar a vitória para casa, que Dinis dos Solteiros recebe o esférico à entrada da área adversária, a uns 3 metros atrás da meia lua, olha para a baliza, puxa o pé direito atrás e remata em arco, fazendo a bola sobrevoar em câmara lenta toda a defensiva casada para a fazer morrer junto ao ângulo superior direito. As redes estremecem, o seu padrinho Pedro Rico cai no chão, após um esfoço inglório para tentar desviar o esférico do seu destino, e o banco dos Solteiros explode para abraçar o herói do momento. O jogo recomeçou e logo a seguir o árbitro, Arsénio Senisga, no alto do seu juízo imaculado, que torna dispensável qualquer VAR, apitou para terminar o derby que, pelo segundo ano consecutivo terminava empatado a três bolas.

 

Os planteis dos Solteiros e dos Casados na foto de grupo.


Fotografias de grupo tiradas, as equipas recolheram aos balneários, tomaram um duche rápido e depois, já com a hora a apertar, ainda fizeram uma perninha no bar do União FC, para logo a seguir rumarem ao Terreiro, onde as tropas se concentraram uma vez mais no Café Turismo antes de iniciar a volta de carro à vila de Penacova.

 

Volta à vila de Penacova.


Buzinão atrás de buzinão, a caravana percorreu os meandros da vila, deu a volta ao Mirante Emídio da Silva e depois dirigiu-se para a ponte José Luciano de Castro, onde do lado oposto se encontra a placa de homenagem a Artur Amaral. Este ilustre penacovense era um acérrimo defensor da Tradição, além de ser um escritor de requinte, com um estilo muito próprio que os amigos e conterrâneos recordam ainda hoje com saudade. Este ano, coube a Paulo Dias proferir o discurso de homenagem a este vulto do nosso concelho. Só que ainda o discurso não ia a meio, o São Pedro voltou a pregar uma partida aos presentes e forçou a adiar tudo para o jantar que se seguiu. Ainda assim, tal revés não impediu os mordomos de lançar às águas carregadas dos Rio Mondego o tradicional ramo de flores em homenagem a Artur Amaral.

 

Placa de homenagem a Artur Amaral, na Estrada Nacional 2, logo a seguir à ponte José Luciano de Castro.


E eis então que, às 20h e pouco, uma avalanche de mais de cem penacovenses se acumulou no restaurante O Cantinho de Arsénio Gomes, histórico estabelecimento de Penacova, que desde a pandemia transitou para o edifício das Piscinas Municipais, espaço bem amplo e propício tanto a um jantar familiar como a grandes eventos como este.


Caneca brinde oferecida a todos os participantes no jantar no Cantinho de Arsénio Gomes.


Após receber a caneca brinde, a maioria dos presentes optou pelo tradicional bacalhau com todos, mas quem não gostasse tinha à sua disposição bifinhos com cogumelos. Tudo devidamente escudado por bebidas de cor branca, bordeaux ou amarelada. Isso e boa disposição encheram a barriga às tropas para a altura da tão aguardada leitura da Ata da 61.ª Edição dos Solteiros x Casados de Penacova.


Dois dos ilustres mordomos, Pedro Martinho (à esquerda) e José Cunha (à direita), juntos pela amizade e pelas águas de cor bordeaux.


Como já tinha referido, a malfeitoria de São Pedro horas antes, obrigou a que Paulo Dias lá tivesse que recomeçar o seu discurso de homenagem, que foi uma verdadeira aula de história pincelada com laivos de humor que fizeram jus ao homenageado. 

 

Paulo Dias a proferir o discurso de homenagem a Artur Amaral, excecionalmente adiado para o jantar, pela forte chuva que o interrompeu ao final da tarde. 


E depois finalmente chegou a vez de Pedro Rico assumir o palco e proceder à Leitura da Ata. E no decurso, houve lugar à nomeação da comissão organizadora da edição de 2026 que certamente ajudará a manter viva uma Tradição reatada em 2022, após a obrigatória suspensão motivada pela pandemia, por um destemido conjunto de penacovenses que incluiu: Armando Mateus, Bruno Esteves, Christopher "Kiko" CarvalhoGuilherme Alvarinhas, José Cunha ("Zé do Judo"), Luís "Teodoro" Rodrigues, Marco OliveiraPedro Martinho, Pedro RicoPedro Viseu, Ricardo "Riki" Almeida e Tiago Alvarinhas. A estes e a todos os que também se mobilizaram para os ajudar, o meu obrigado! 


Pedro Rico na árdua e já habitual tarefa de Leitura da Ata de mais uma preenchida reunião dos Solteiros x Casados, ladeado por um dos mordomos da próxima edição, Pedro Viseu, o dono do restaurante, Arsénio Gomes, e por outro futuro mordomo, Luís "Teodoro" Rodrigues, que contribuiu decisivamente para que a carne e as camisolas não faltassem durante o almoço.


E aos próximos mordomos endereço os meus votos de boa sorte para que em 2026 a Tradição se cumpra.

 

Viva os Solteiros x Casados!

 

Viva Penacova!


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Bibliografia: https://penacovactual.eu/2023/04/05/a-tradicao-mantem-se-nos-59-anos-dos-solteiros-casados/?amp=1

quarta-feira, 7 de maio de 2025

Barcelona 2025 - parte 5: um última dia em grande!

 Conforme prometido na parte 4, vou agora ao Amalia’s Portuguese Flavours, onde tomei o último desayuno nesta viagem a Barcelona. Pedi uma sandes mista de pão integral e um galão. Pedir um galão em vez dum café au lait já de si era português o suficiente, mas para dar ainda mais aquele toque lusitano ao pequeno-almoço, adicionei um pastel de nata ao pedido.

Com o dono do Amalia's, o simpático Tó Zé!


A casa rapidamente foi enchendo à medida que o relógio passava das 9h, mas a azáfama não foi impediu de travar um pouco mais de conhecimento com o dono do estabelecimento, de seu nome To Zé. O simpático e dialogante português oriundo do Norte de Portugal, encontra-se emigrado há já 40 anos, primeiro nos Países Baixos e mais tarde na Catalunha. O espaço do Amalia’s é bastante agradável, tem à nossa disposição uma variedade de doces tipicamente portugueses, dos quais, além do pastel de nata que saboreei, há a destacar as Tortas de Azeitão e o clássico bolo de arroz.

 

Pequeno-almoço no Amalia's Portuguese Flavours


Para este último dia reservei a manhã para visitar o Arc de Triomf, outrora a entrada principal da Exposição Universal de 1888, e agora um marco imponente que convida os turistas a percorrer o Passeig de Lluís Companys, que nos conduz ao majestoso Parc de la Ciutadella.

 

Majestoso, sem dúvida, mas (in)felizmente parcialmente em obras com conclusão prevista para outubro deste ano de 2025. Assim, a sua beleza encontrava-se perturbada pelo ruído das máquinas em trabalhos. Não obstante, recomendo vivamente a visita a um local onde um casal pode andar meia hora de canoa por 7€, remando vagarosamente na tranquilidade das águas de um lago, em comunhão com os cisnes que o ornamentam. 

 

A beleza do lago no Parc de la Ciutadella.

 

Outras das atrações que me chamaram à atenção foi a imponente fonte Cascada Monumental. O nome fala por si. O efeito visual das águas a mergulharem no pequeno lago, ladeadas por dois lances de escadas que se abraçam no cimo de um edifício onde no topo reina o coche conduzido por três cavalos reluzente como ouro é simplesmente arrebatador! Uma prova da influência francesa na Catalunha, a fazer lembrar as extravagâncias do rei Luís XIV.

 


A imponência e exuberância da cascada monumental no Parc de la Ciutadella.

 

Depois de encontrar o caminho para sair daquela selva de beleza era para me dirigir diretamente ao hotel e fazer o check-out, mas pelo caminho dei de caras com o Museu Bansky de Barcelona e então decidi pagar a entrada e visitar a obra dum dos mais renomeados e enigmáticos artistas urbanos dos tempos contemporâneos.

 

Uma das obras mais emblemáticas expostas no Museu Bansky em Barcelona, que nos desvenda as origens de Steve Jobs.


Já eram onze e tal quando saí, parei num Carrefour Market, para lanchar um iogurte e um pão, continuei para a Plaça de Catalunya, depois passei a Universitat de Barcelona e finalmente cortei à direita para o hotel.

 

Check-out efetuado, mochila posta às costas, apanhei de novo o Metro L5 na paragem Hospital Clinic, onde havia chegado no segundo dia, e rumei em direção a Collblanc, no distrito de Les Corts. O objetivo deste desvio era concluir esta incursão a Barcelona, com às instalações do FC Barcelona. Como o emblemático Camp Nou se encontra em remodelação, a sempre apetecível stadium tour teve de ficar para outra visita e ser substituída por uma experiência imersiva. Mas antes disso fui almoçar. Escolhi um restaurante nas imediações do estádio, o Corleone. E para não destoar das minhas outras experiências gastronómicas nesta viagem, esta escolha também não foi a mais acertada. Mas também quem pede ovos rotos e polvo à galega num restaurante italiano põe-se a jeito. Ainda assim, o espaço era visualmente agradável e permitiu-me aproveitar o tempo até à hora da visita para rascunhar esta crónica que agora acabo de publicar.

 

No restaurante Corleone, muito próximo do Camp Nou, a rascunhar esta crónica.


Avançando, então, para a tour blaugrana, devo dizer que foi uma autêntica e maravilhosa viagem à minha infância, adolescência e início de vida adulta. À entrada somos chamados a tirar uma foto com o cachecol do Barcelona, que depois teremos de pagar no final se a quisermos guardar. De seguida entramos num setor que reúne diversa memorabília devidamente ordenada pelos períodos da história do Barça. No final à direita somos impelidos a sentarmo-nos enquanto corre na tela o vídeo promocional da academia de La Masia, berço de grandes talentos como Messi, Iniesta, Xavi, Piqué, entre tantos outros ídolos do futebol mundial. 


Mural de homenagem à Academia La Masia.


O passado dá lugar ao presente na secção seguinte. Nela podemos ver diversos pilares revestidos com ecrãs táteis que nos permitem fazer o tão moderno scroll e selecionar um dentre os futebolistas que compõem os atuais plantéis séniores masculino e feminino da turma catalã. 


Um dos pilares eletrónicos do museu, onde podemos ver as estatísticas dos jogadores e jogadoras do FC Barcelona, neste caso com o número 9 - Roman Lewandowski.


Depois segue-se o museu propriamente dito, com o desfilar dos inúmeros troféus conquistados ao longo dos anos, com óbvio destaque para as cinco “orelhudas” que simbolizam a vitória em cinco edições da atual Liga dos Campeões da UEFA.

 

Eu junto à réplica da Taça da Liga dos Campeões conquistada pelo FC Barcelona em 2011, que teve lugar em Wembley no dia do meu Baile de Finalistas do 12.º ano.

Se isto já seria mais do que suficiente para me prender durante largos minutos, o que se seguiu foi ainda mais sedutor. Serpenteando o museu chegamos a uma parede inteira repleta de camisolas do FC Barcelona. Aí encontramos exemplares das várias camisolas principais e alternativas desde os anos 60 até aos anos mais recentes. Sendo eu um colecionar de peças deste género, não pude deixar de examinar cada uma com a minúcia possível, ao ponto de descobrir que os exemplares da Nike da transição dos anos 90 para os 2000, vestidos por Luís Figo, Fernando Couto, Vítor Baía e Simão Sabrosa, foram fabricados nada mais, nada menos do que em... Portugal! Sim, em Portugal! Eu, que já sou de uma era em que a indumentária desportiva é quase toda ela fabricada em países asiáticos, fiquei estupefacto ao descobrir que há vinte-trinta anos atrás, a gigantesca marca norte-americana que me calçava nesse dia, tinha atividade no nosso país!


Pormenor da camisola principal do FC Barcelona da época 2001-2002, fabricada em Portugal.


E da sedução das camisolas passei para a sublime prisão da nostalgia.

 

Sim, porque de costas voltadas para o mural das camisolas, encontrava-se outro mural, este eletrónico, que nos permitia escolher dentre os diversos momentos altos das várias modalidades blaugrana e revivê-los em vídeo. Eu que quase só acompanhei o futebol, pude regressar aos piques de Ronaldo Fenómeno, à bicicleta de Rivaldo, ao golo de Belleti em Paris, à magia do primeiro Barcelona de Guardiola, aos feitos épicos do trio Messi-Suarez-Neymar... Enfim, tanta, tanta coisa, que me lembro apenas de tirar a mochila das costas, pousá-la junto aos meus pés, e simplesmente ficar ali, detido quase uma hora, os olhos fixados no ecrã à medida que assistia ao sedutor e ternurento desfilar da “minha vida”.

Mural de homenagem a Leonel Messi no Museu do FC Barcelona.


O aproximar da hora de fecho da experiência imersiva fez-me despertar do sonho. Peguei na mochila e segui em frente, onde esbarrei logo no mural de homenagem a Leonel Messi. À direita tínhamos a entrada para o túnel de acesso à experiência 360, uma sala circular envolvida numa tala a toda à volta que exibe uma sucessão de vídeos com vários momentos da história recente do FC Barcelona, verdadeiramente galvanizante.

 

Um vislumbre da Experiência 360 que termina a viagem pela Tour FC Barcelona.

 

Finda esta experiência ainda houve tempo de visitar a loja oficial e reviver o dia em que comprei uma camisola do Deco e o meu falecido primo André a camisola do Messi, que naquela época de 2006/07 ainda era apenas uma jovem promessa que ostentava o número 19 nas costas.

 

E assim terminou uma viagem que era só para ver um espetáculo de wrestling, mas que acabou por evoluir para um excelente fim de semana prolongado, num lugar onde já fui muito feliz.

domingo, 4 de maio de 2025

O meu Dia do Apagão - parte 2

 

Eram 14h quando a fome chegou.

Aproveitei um resto de arroz e salada que tinha no frigorífico, abri uma lata de atum e complementei o conteúdo proteico do repasto com um pudim proteico de chocolate. E comi uma maçã.

 

Depois de lavada a louça, o cansaço pós-prandial começou a amolecer o corpo e decidi fazer uma sesta.

 

Eles entretanto devem resolver isto...

 

Só que os meus olhos reabriram de novo para uma escuridão apenas iluminada pelo sol que se mantinha radiante lá fora, já por volta das 16h.

 

Olha, afinal isto ainda vai demorar...

 

Neste lapso temporal em que o meu cérebro se “apagou” para descansar, começaram a surgir notícias de que a resolução do Apagão poderia demorar até 72h. Isso e teorias sobre ciberataques e conspirações envolvendo Vladimir Putin... Tudo isso me passou ao lado, apenas o descobri quando a normalidade foi restabelecida. São informações como estas que podem alarmar ainda mais uma população, daí que tivesse sido natural todo aquele acorrer às bombas de combustível a que assistimos. É dos principais impulsos sempre que sobre nós se abate uma crise deste nível... O que não sabia era do “assalto” aos supermercados. Não que me admirasse o açambarcamento também ele muito habitual nestas circunstâncias. O que me surpreendeu mesmo foi que os supermercados estivessem abertos, já que o único a que fui, escassa meia hora depois do Apagão, se encontrava às escuras e encerrado. Não me lembrei que existem geradores!

 

Bem, entretanto, comecei a ouvir barulho no corredor do piso. Fui espreitar pelo óculo da porta e observei o desfile de pessoas com lanternas na mão que subiam e desciam as escadas, impossibilitadas que estavam de utilizar o conforto do elevador. Os velhinhos que vivem no 4.º andar é que estão tramados...

 

Por esta altura, comecei também a avaliar a minha própria situação. O apartamento era fresco e isso assegurava uma boa conservação dos bens alimentares restantes no frigorífico. Por outro lado, já não tinha massa, arroz ou batatas. Mas mesmo que tivesse estava totalmente dependente de eletricidade para poder os cozinhar. A fonte de hidratos era flocos de aveia. Ainda tinha duas latas de atum e um pouco de salada que chegavam para o jantar. E fruta e iogurtes para esse dia e o seguinte. O dia lá fora estava magnífico e eu podia muito bem ir caminhar ou até correr enquanto eles resolviam o Apagão. Só que havia um pequeno grande pormenor... A maldita chave da porta de entrada no prédio! Pelo facto dessa chave não estar a funcionar, iria estar sempre dependente de alguém para poder reentrar. Que chatice!

 

Por outro lado, tinha gasóleo suficiente no carro para regressar a Penacova, onde podia usar um fogão a gás ou até acender uma fogueira para cozinhar o que fosse preciso para mim e para os meus pais, que eu bem sabia que o frigorífico e a arca congeladora estavam bem atestados!

 

Assim foi. Coloquei os iogurtes proteicos que restavam no congelador do frigorífico para se aguentarem mais tempo e dirigi-me ao carro, que, em contraste com o interior do apartamento, estava uma boa estufa depois de largas horas a bronzear.

 

Já a caminho, passei por umas bombas de combustível e fiquei abismado com a enorme fila já formada. É que não eram dez nem vinte carros, eram seguramente já uns dois ou três quilómetros de fila! Numa estrada nacional! E os condutores que se encontravam distantes do posto de combustível nem deviam fazer a mínima ideia do porquê daquele engarrafamento. Ainda bem que neste sentido não há bomba de combustível, senão já estava tramado!

 

Pouco depois alcancei a A1 e comecei a prestar atenção às notícias da rádio:

“Abrantes já tem luz!”

“Há poucos minutos foi reposta a normalidade em Vila Nova de Gaia.”

“O município de Estarreja também já tem eletricidade!”

 

Olha, afinal se calhar até podia ter ficado onde estava que eles, entretanto, iam mesmo resolver o Apagão...

 

Ia eu precisamente a passar a área de serviço de Estarreja quando recebi uma chamada telefónica do meu pai. Deu para perceber que ele estava bem, mas logo a seguir perdi o sinal. Nessa área de serviço, como na de Cantanhede, as filas para o abastecimento de combustíveis também eram consideráveis. Coitados dos funcionários das bombas, hoje não têm descanso!

 

O trânsito, esse, era o habitual para as 17h-18h na A1. De tal modo, que o percurso até Penacova se fez tranquilamente.

 

Cheguei a casa dos meus pais e eles lá me receberam e contaram as incidências do seu dia. Eu, como ainda tinha tempo até à hora de jantar, decidi ir fazer a tal corrida e aproveitar o bom tempo que, segundo as previsões, iria em breve sucumbir a nova vaga de chuva no final da semana. Sabia bem que corria o risco de tomar banho de água fria, mas naquele dia isso não interessava! É que as pernas queriam movimento e a tarde estava magnífica! E acabei por ter sorte, ainda havia uma réstia de água quente no depósito da caldeira.

 

Chegada a hora de fazer o jantar, o meu pressuposto de que em casa dos meus pais beneficiaria do fogão a gás foi cumprido e preparamos a refeição para degustar ao jeito do antigamente dos tempos modernos: à luz das lanternas.

 

Terminado o jantar, o meu pai foi à rua alimentar os gatos. “Já há luz!”, ouvi ele anunciar. Depressa carreguei num interruptor, mas nada. Então, precipitei-me para o exterior onde os meus olhos foram logo atraídos por aquela estrela polar a que chamamos candeeiro de iluminação.

 

E nem deu tempo para o olhar cegar pelo ponto de luz radiante no meio do escuro da noite já cerrada, pois logo a seguir, no interior da casa fez-se luz!

 

Eram 21h40!

 

Em retrospetiva, este meu Dia do Apagão foi bastante tranquilo comparado com o dia de muitos portugueses e espanhóis. Viajei de avião, mas tinha regressado a Portugal na véspera, logo não fiquei retido no aeroporto. Escapei por minutos à “prisão” dos portões de garagem elétricos. Tinha combustível suficiente para me deslocar. Não estava a trabalhar nesse dia. Tinha comida (e papel higiénico!!!) suficiente para me aguentar um par de dias. Consegui cozinhar com recurso a gás. Não fiquei retido em filas e filas de trânsito. Não fiz musculação, mas fiz corrida. Estive alienado das notícias umas boas cinco horas o que pode ter ajudado a evitar stresses desnecessários.

 

Enfim, o meu Dia do Apagão até foi um dia bom!

quinta-feira, 1 de maio de 2025

O meu Dia do Apagão - parte 1

Onde estávamos na final do Euro 2016?

Onde estávamos no 11 de Setembro?

 

São perguntas que nos habituamos a fazer e às quais agora podemos juntar o Onde estávamos no Dia do Apagão?


No Dia do Apagão eu acordei em Vila Nova de Famalicão. Rima e é verdade! Em conjunto com um grupo de amigos, tinha aproveitado o fim de semana prolongado do 25 de abril para fazer uma incursão a Madrid. Na véspera do Apagão tinha regressado de Vigo, local onde apanhamos o avião para a capital espanhola, já que os preços dos voos desde o Porto estavam bastante mais caros ao ponto de compensar a viagem de carro até à Galiza. E não fomos os únicos a chegar a essa conclusão, tamanho era o contingente lusitano que embarcou connosco nesse voo da Air Europa e depois se fez à estrada de volta a Portugal.

 

Calhou-me a mim levar o carro e chegamos a Famalicão perto das 21h. Para evitar fazer ainda mais uma hora e tal de viagem, os pais dum dos meus amigos foram extremamente simpáticos e, além de me convidar para jantar, também me ofereceram a dormida. Conversa puxa conversa, com as atualidades política e futebolística em primeiro plano, já só nos deitamos à meia noite. Isso a juntar às escassas horas de sono que trazia na bagagem fez-me levantar tarde para os meus hábitos, já próximo das 10h. Tomei o pequeno-almoço, um banho e o portão elétrico da moradia deve ter sido aberto por volta das 11h, já que me recordo que o Waze indicava que chegaria ao meu destino pelas 12h10. Despedi-me e arranquei.

 

A viagem fez-se tranquilamente, já que fugi à hora de ponta portuense. Contudo, a certa altura a rádio falhou subitamente. E não foi só a estação que tinha sintonizado. Não dava nem a M80, nem a Observador, nem a Comercial, nem a RR, nem a RFM, nem nada! Durante uns segundos não dava nada. Oh, oh, mas tu queres ver que a rádio se avariou? Mas o meu pensamento foi rapidamente desmentido pelos acordes de uma canção que entoava na Antena 3 e depois a M80 Valongo também começou a dar. Problema resolvido!, pensei.

 

Uns quilómetros mais à frente, já depois de passada a Ponte da Arrábida, reparo que o Waze indicava estar a utilizar o mapa offline. O mapa offline?! Então eu tenho os dados móveis ligados e isto está offline?! Julguei tratar-se de um erro, às vezes isso sucede, mas nessa altura já me era indiferente, dado que a partir daquele ponto já sabia bem o caminho rumo ao meu destino.

 

Minutos mais tarde, já fora da autoestrada, vislumbro ao longe as sirenes ruidosas de dois carros de bombeiros a aproximarem-se a alta velocidade. Oh lá, já houve chatice... e o pensamento ainda estava a terminar quando esbarro de frente com um entroncamento no qual os semáforos estão desligados. Eish, que caos que isto aqui é sem semáforos. Ainda falam de Viseu, mas não há nada como uma boa rotunda... Aquela é uma zona movimentada, como tal, com muita prudência lá fui avançando “pé ante pé” até o nariz da viatura espreitar a interseção. Aproveitei que o carro que se aproximava pela esquerda ligou o pisca para virar à direita e, tendo costa livre à minha direita, lá avancei. Logo a seguir passei por uma senhora que buzinava furiosamente e fazia sinal com as mãos para o condutor à sua frente indicando que as luzes (dos semáforos) não estariam a funcionar e que ele se teria de fazer à sua vez para conseguir ultrapassar aquele entroncamento. As gentes do Norte são muito simpáticas, mas no trânsito, já se sabe que é uma mão no volante e outra na buzina...

 

Nesse dia tinha combinado um almoço com amigos do meu antigo hospital, mas como ainda tinha algum tempo, decidi fazer uma paragem num supermercado para comprar pão e bananas para lanchar a seguir ao treino que iria fazer nessa tarde com um desses amigos. Para meu espanto o supermercado estava às escuras e com as portas fechadas! Ouvi uma das pessoas que já lá se encontrava à espera comentar algo sobre um apagão. Um apagão?! De imediato consultei o telemóvel e reparei numa mensagem de Whatsapp de um grande amigo meu que dizia que o chefe já se estava a passar pelo facto da Fábrica das Caldas de Penacova estar parada devido à falta de eletricidade. O quê? Consultei, então, os principais sites noticiosos nacionais e todos eles tinha publicado há vinte, trinta minutos notícias sobre uma falha generalizada de eletricidade em toda a Península Ibérica. Toda a Península Ibérica?!?!?!

 

Perante isto, dirigi-me ao apartamento onde estava a morar e eis que me caiu a ficha. A minha chave da porta do prédio não estava a funcionar e eu costumava entrar pela garagem, cujo portão era... elétrico! Pois... Bem, fiz aquilo que seria mais inteligente: ficar de plantão à porta do prédio e esperar que algum vizinho entrasse ou saísse para conseguir entrar. Enquanto aguardava, consultei as mensagens do grupo de Whatsapp que tenho com os amigos com quem ia almoçar. Havia uma mensagem das 11h51 que dizia “Temos de ir a um restaurante que confecione comida a gás ou lenha emoji de riso”. Depois já às 12h26 outro amigo dizia “Isto parece o momento zero duma era, género filme apocalíptico” para logo a seguir aconselhar “Acho que é melhor cancelar hoje”. Evidentemente todos concordamos, até porque uma das pessoas nem o carro da garagem conseguia tirar. O amigo que ia treinar comigo ainda estava confiante e perguntou-me “Gonçalo, vamos treinar na mesma, certo? Pesos são pesos, é o bonito do exercício”. Só que como perdi o acesso à rede telefónica e dados móveis por volta das 12h30-12h45, esta mensagem eu já só a vi ao final do dia quando voltei a ter eletricidade e acesso à Internet. De qualquer modo seria escusado, pois, perante todo aquele cenário de incerteza, o treino tinha passado para segundo plano...

 

Entretanto, a porta do prédio abriu-se finalmente e entrei. A senhora que me abriu a porta comentou o sucedido e disse que o irmão estava a trabalhar na Polónia e conseguiu ligar-lhes de lá e falar com eles, mas eles não conseguiam ligar para ninguém. Subi a escadas e pelo caminho apanhei uma senhora mais velha que descia apressada com uma bata na mão. Mal me viu começou a dizer que não havia luz e que tinha um filho na Polónia que lhe tinha conseguido ligar. Era a mãe da outra senhora, conclui. Comentou ainda comigo que se ia apresentar ao trabalho na mesma.

 

Cheguei finalmente ao interior do apartamento. Estaria tudo às escuras não fossem os raios de luz do sol quente e radiante que furavam as frestas dos estores, como metralhadoras fazendo alvo ao chão do apartamento.

 

Dirigi-me ao frigorífico e confirmei que o resto de arroz de lulas e os poucos iogurtes que lá tinha ainda estavam frescos, troquei de roupa e, como ainda não tinha fome para almoçar, decidi simplesmente abrir o estore para deixar a luz entrar e deitar-me na cama a ler o livro que ando a ler, o The Thursday Murder Club de Richard Osman. 

 

Já passava das 13h15 quando me veio subitamente uma ideia à cabeça: E se eu me pusesse a escrever uma crónica sobre o meu Dia do Apagão? Isto no fundo vai ser um dia histórico, um evento marcante como foram outras crises. Estou aqui fechado sem nada para fazer, porque não?

 

E assim começou esta crónica!